São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 1997
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Futebol espanhol é mais touro do que toureiro

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Essa rebelião está mais para a Idade Média, quando os espanhóis tentavam expulsar os mouros da Andaluzia, do que para os tempos de globalização que vivemos.
A bem da verdade, as hordas de brasileiros e excluídos do Leste Europeu não representam nenhuma ameaça ao futebol espanhol. Ao contrário: é uma oportunidade de ouro para que as novas gerações de craques ibéricos, no contato direto com a nata do futebol mundial, sejam moldadas sob técnicas mais refinadas das que têm sido até agora.
Sim, porque, mesmo cumprindo saga valorosa, ao longo da história, a ponto de ter merecido o epíteto de La Furia, o futebol espanhol sempre foi mais garra do que habilidade. Sempre esteve mais para touro do que para toureiro.
Basta lembrar que os grandes ídolos espanhóis formam uma galeria de estrangeiros, que vai de Kubala a Ronaldinho, passando por Di Stefano, Puskas, Kocsis, Evaristo de Macedo etc. Espanhol de Espanha mesmo, quem temos? Os goleiros Zamora e Zubizarreta, a flecha Gento, o artilheiro Butragueño e o menino Raul, nomes que me vêm à memória com certo esforço.
Não acredito muito em estigmas genéticos, tipo europeu é duro de cintura, branco não sabe enterrar, negro é indisciplinado, japonês só sabe correr, embora na raiz dessas baboseiras haja um padrão de comportamento, ditado por razões sócio-culturais, que pode levar a esses equívocos (em certos casos, crimes).
Por exemplo, se pegarmos imagens gravadas do futebol europeu dos anos 30 aos 60, realmente constataremos que a maioria dos jogadores europeus -fossem latinos, eslavos ou anglo-saxões-, com as exceções de praxe, tem uma postura mais rígida em relação à bola do que os brasileiros ou argentinos daquelas épocas.
Agora, ligue a TV e compare com o futebol que se pratica hoje, seja na Alemanha, em Portugal, na República Tcheca, Polônia, Dinamarca, França ou Holanda: os bichos-de-goiaba estão cheio de gingas e mumunhas. O mesmo ocorre, na velocidade deles lá, no Japão, onde o futebol foi plantado outro dia com fartas sementes brasileiras.
Enquanto isso, graças à presença de técnicos ingleses, alemães e iugs de várias nacionalidades que invadiram a África Negra a partir dos anos 70, a Nigéria, campeã olímpica, e a África do Sul, recém-classificada para a Copa-98, dão aulas de disciplina tática.
O que eu quero dizer é que, se ainda não pegou a utopia da Tenda de Milagres de Jorge Amado -um Brasil mulato, sábio e fagueiro-, no futebol somos o melhor exemplo de miscigenação vitoriosa -quatro títulos mundiais e mais uns quatro raspando (38, 50, 78 e 82). Como tem sido a Europa invadida por africanos nas últimas duas décadas.
E, se eu fosse presidente da Federação Espanhola, pegaria hoje os insurrectos e os levaria em caravana por Sevilha, apontando aqui o belo mourisco, ali os pátios internos das casas caiadas contra o sol, tendo ao centro a refrescante fonte d'água. E, como trilha sonora, ao fundo, o lamentoso trinado de um autêntico flamenco, herança do invasor que um dia se foi. E ficou.

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