São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Drama moral supera questão legal no aborto

DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto a igreja, as feministas e os deputados federais discutem em Brasília a questão do aborto, a maioria das mulheres que pensam na possibilidade de interromper a gravidez acaba tendo que lidar mais com a questão moral do que com a legal.
"Antes de abortar, eu alisava a minha barriga e conversava com a criança. Depois, passei anos comemorando o aniversário de 'morte' dela e a batizei no 'seicho-no-iê' (filosofia oriental que louva os antepassados). Foi uma maneira de pedir perdão no plano divino", afirma a empresária Marisa, 47, que abortou há mais de 25 anos -quando tinha 21.
Apesar de sofrer com o aborto, a empresária Marisa disse que não teve saída. "Eu cresci em uma redoma, superprotegida, não tinha preparo nem ambiente em casa para conversar sobre uma coisa dessas."
Pelo Código Penal, o aborto só é permitido em dois casos: estupro e risco de vida para a gestante.
Isso está na lei desde 1940. Mas na semana retrasada o assunto voltou a gerar discussões acaloradas, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou projeto que obriga todos os hospitais públicos do país a realizar a interrupção da gravidez prevista na lei. Até agora, só nove hospitais no país realizam o procedimento.
Separação
Para a artista plástica Mônica, 40, que abortou há três anos e meio, o que suscitou a idéia de não ter o filho foi a situação do relacionamento.
Mônica estava se separando do marido e engravidou de um namorado recente logo na primeira vez em que transou com ele.
"Estava em pleno processo de separação litigiosa, e o meu namorado, pai da criança, argumentou que a gravidez poderia ser usada como prova de adultério pelo meu ex-marido. De fato, ia causar má impressão eu me apresentar na audiência da minha separação grávida de outro homem."
Mônica diz que a decisão foi muito difícil. "Sou completamente contra o aborto. Não por questões religiosas, mas ideológicas. É contra meus princípios, minha alma, minha natureza."
Tipo família
"Eu sou totalmente a favor do aborto", diz a assessora administrativa Luciana, 26, que há seis anos abortou um filho de um namorado que era "louco por criança". Ela diz que, se tivesse contado para o namorado, não teria paz.
"Ele é do tipo família, que já ia querer falar com a minha mãe, piorar ainda mais as coisas. De mais a mais, ele não queria ter um filho meu. Queria ter de qualquer mulher que engravidasse dele."
Luciana acredita que, pior do que "matar" um ser humano, é colocá-lo no mundo sem condições de criá-lo. "Eu não tinha estrutura familiar, financeira, emocional. Acabaria odiando o bebê."
Para ela, quem é contra o aborto age de má-fé ou com excesso de fé. "Ou são esses políticos que não querem perder voto, ou essas carolas que continuam repetindo o 'multiplicai-vos' num momento em que não há mais espaço para tanta gente no mundo."
Para a intérprete Magali, a decisão foi prática. "É desagradável estar numa situação dessas, mas eu não vou mentir: fui muito prática. Antes mesmo de buscar o resultado do exame no laboratório, já tinha me decidido a abortar caso desse positivo", conta.
Ela explica. "Eu era muito nova, não amava o pai da criança nem tinha a menor intenção de ser mãe. E continuo não tendo."

Os nomes citados na reportagem são fictícios

Texto Anterior: Turbina de avião da TAM explode em Ribeirão Preto
Próximo Texto: 'Abortei, mas fiquei frustrada e com culpa'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.