São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997 |
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Segunda divisão flagela o Flu pelo Brasil
FÁBIO VICTOR
Bastou que o primeiro jogador do time carioca pisasse o gramado para que o estádio viesse abaixo: "ão, ão, ão, segunda divisão". Caminhando pela lateral do campo, o vice-presidente de futebol do Fluminense, Edgar Hargreaves, tentava mostrar-se indiferente. "Todo jogo agora é isso. É um chavãozinho bobo, babaca. A mim não afeta nada." O "agora" a que o dirigente se refere é exatamente desde 20 de junho, quando o clube, que havia sido rebaixado por índice técnico para a segunda divisão no Brasileiro-96, foi, junto com o Bragantino, beneficiado por um manobra da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que os trouxe de volta à divisão de elite neste ano. Castigo ou fatalidade, o Fluminense volta a ocupar a zona do rebaixamento no Brasileiro-97, com uma campanha não muito diferente da que o levou ao descenso no ano passado. A reportagem da Folha acompanhou durante uma semana o time, em Salvador, no Rio e em Curitiba, e assistiu às manifestações contrárias de torcedores dessas três cidades ao beneficiamento do clube. Política Naquela noite quente de Salvador, a provocação ainda se repetiria pelo menos três vezes, a cada gol do Bahia (o jogo terminou empatado em três gols). Podia ser vista em alegorias preparadas pelos torcedores, como caixões e cartazes. Podia ser vista até em uma faixa eleitoreira, que dizia: "Chega de tapetão. Fluminense na 2ª divisão. Mandato do deputado federal Jacques Wagner. PT-BA". Os jogadores do Fluminense, que haviam comemorado a vitória da semana anterior sobre o Guarani, a primeira em dez rodadas neste Brasileiro, com fervor de quem celebra a conquista de um campeonato, festejaram o empate na Fonte Nova. No final do jogo, o técnico Carbone foi saudado com uma salva de palmas ao entrar no vestiário. Hargreaves prometeu que pagaria um bicho de vitória pelos 3 a 3, conquistados aos 46min do segundo tempo, com um gol de pênalti do centroavante Paulinho. Os dois resultados, pensavam todos, começavam a consolidar a recuperação da auto-estima dos atletas e da equipe no campeonato. Quem sabe, distanciariam o grupo das chacotas adversárias. Engano. Na volta para o Rio, o estigma do rebaixamento fez-se presente já no aeroporto do Galeão. O zagueiro César estava na área de desembarque quando notou uma concentração de taxistas que o observava e soltava gracejos. Tão logo o jogador entrou no ônibus, o grupo juntou o indicador ao médio, lembrando segunda divisão, e acenar. "Eu pensei em gritar com eles, responder, mas deixei para lá. Vi que não ia adiantar nada", desabafou o jogador. No Brasileiro, dos seis jogos disputados pelo time fora do Rio, a cantilena teve variações, mas foi constante. "Engraçado é que até em Bragança (na derrota de 3 a 1 para o Bragantino, o outro rebaixado), o único lugar que a gente achava que ninguém ia falar, uma parte da torcida começou a gritar segunda divisão", contou o meia Yan. Efeitos Ele, como a maioria dos jogadores, defendeu que a situação não afeta o rendimento do time Somente César, um dos cinco titulares do time de hoje que participaram da campanha do Brasileiro-96, reconheceu que os xingamentos e gozações acabam refletindo dentro de campo. "Se falar que não afeta nada a gente vai estar mentindo, mas se nos deixarmos levar por isso é melhor não jogar", disse. Nada se compara, porém, à análise do preparador físico Lúcio Novelli, que afirmou que a "memória fisiológica" pode atrapalhar os atletas que participaram da campanha do rebaixamento em 96. "Não é comprovado cientificamente, mas o músculo armazena informações e de repente ele se lembra de determinados movimentos. É a memória dele. Isso pode influenciar no rendimento dos jogadores", diagnosticou. Todos foram unânimes em um ponto: os atletas nada têm a ver com manobras de bastidores e, portanto, não merecem as ofensas. "Isso é um coisa política, não é nossa. Somos profissionais", contestou Paulinho. O zagueiro Lima e o volante Cadu, porém, mostraram-se descrentes quanto ao bom senso da torcida em relação ao argumento. "Acho que isso vai ficar marcado, vai entrar para a história", declarou Lima. "Jogador que não estiver acostumado com isso não dá para jogar, pois vai ter sempre alguém para lembrar -lembra o Fluminense, aquele que caiu para a segunda divisão?", previu Cadu. Antes do jogo contra o Paraná Clube, quatro dias depois do empate em Salvador, outra sequela do Brasileiro-96 incomodou o time. Telefonemas de torcedores do Atlético-PR ameaçavam vingar o incidente de novembro do ano passado, em que, num jogo no estádio das Laranjeiras, a torcida do Fluminense agrediu os jogadores paranaenses. Os cariocas chegaram a Curitiba com proteção da Polícia Militar e hospedaram-se em um hotel distante 15 km do centro. Nenhum problema seria registrado, mas a torcida do Paraná Clube voltou a mostrar que o episódio da "virada de mesa" ainda está vivo também no Sul do país. A diferença para Salvador foi o refrão, que desta vez dizia: "não é mole não, o Fluminense na segunda divisão". Os xingamentos durante a entrada e saída do time, comuns em qualquer jogo, mas normalmente restritos ao puro calão de oficina mecânica, se concentravam unicamente naquele tema. "Ó a porta dos fundos lá, ô, não tem vergonha", ou "Segundona, segundona", ou ainda "Rebaixado sem-vergonha", bradavam os "paranistas", como são conhecidos os torcedores do time treinado por Sebastião Lazaroni. O jogo, com uma qualidade que justificou a posição do Fluminense na tabela, mas não a do Paraná, terceiro colocado, terminou empatado em 0 a 0. Diálogo A geografia do estádio Durival de Brito, que não tem uma passagem específica para os times irem do portão principal ao vestiário, obrigando as delegações a caminharem cerca de 200 metros em meio aos torcedores, permitiu uma cena inusitada. No final do jogo, o presidente Álvaro Barcelos voltava para o ônibus quando foi interceptado por um grupo de torcedores. Parou para dialogar. "O Brasil inteiro está revoltado com essa safadeza da segunda divisão", disseram os paranaenses. "O Fluminense é um clube com 95 anos de tradição, não entra nessa", retrucou o dirigente. "Pode dizer o que quiser, mas que teve alguma coisinha por trás disso teve, né presidente?" Puxado pelo braço por um segurança do Fluminense, Barcelos não respondeu. Apenas balançou a cabeça negativamente e deixou o estádio a passos rápidos. Texto Anterior: No Rio de Janeiro Próximo Texto: Equipe formada às pressas vira álibi para má fase Índice |
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