São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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No 'fornão' da tortura

NELSON DE SÁ; OTAVIO FRIAS FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL E DA REDAÇÃO

Em 74, já sem o primeiro elenco, o Oficina é invadido pela polícia. Um mês depois, Zé Celso é preso. Ficou dois meses e meio, saindo para o exílio, de onde voltou quatro anos depois. Ele relata o episódio de sua prisão e tortura.
Folha - Como foi a sua prisão?
Zé Celso - Eu estava na minha irmã com o Jorge Bouquet, um fotógrafo francês, e quando desci do apartamento um cara me botou um capuz. Me puseram no carro e levaram para o Dops. Fui de capuz porque tem duas prisões. Tem a prisão legal e, atrás de uma parede que se move, você desce para um subterrâneo, chamado de "fornão", onde tem a tortura. E você não vê onde está. Jogam numa cela de cimento. Você fica isolado, luz acesa. E só ouve, de repente, o grito de tortura, e as chicotadas.
Eu logo fui levado para uma sala de tortura. Fui cercado por uns dez homens, pendurado no pau-de-arara, uma posição terrível, dói pra caralho. E começaram a aplicar choques. Começaram nos meus pés, perguntando sobre a ALN (Ação Libertadora Nacional). Ameaçavam me usar como isca, porque tinha dado abrigo a uma pessoa da ALN. Eu tinha transportado, junto com um cineasta, e nos seguiram, ficaram sabendo. Então queriam arrancar as minhas ligações com as pessoas todas.
Folha - Você tinha ligações?
Zé Celso - Eu tinha muitos amigos na ALN, mas não estava fazendo um trabalho, naquele momento. Às vezes dava proteção. Eram pessoas até mais espertas do que eu, porque elas iam embora, não ficavam. Elas tinham a sua própria segurança, mas eu não estava dentro do esquema logístico.
Folha - Como foi a tortura?
Zé Celso - Foi com choque. Aí imediatamente... Eu fui preso com um sininho do Tibet, que um americano tinha me dado, um presente, e não sei por que me veio o personagem de um iogue. Eu respondi nesse personagem, não respondi na minha pessoa. (Ri) Isso facilitou um distanciamento para não ter que entregar ninguém.
Apanhei bastante, quebraram um dente, e depois ameaçavam continuar a tortura. E com choque é terrível. Eu lembro que um deles tinha uma tatuagem no braço, "amor de mãe". O teatro me valeu muito. O personagem me fez conduzir o depoimento, sobre a dor. Eu procurei representar um personagem meio intocável, meio místico, sem muitas relações com o mundo que chamam de real.

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