São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Resultados animam pesquisa da surdez de percepção

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há dois tipos principais de surdez. O primeiro, de condução ou transmissão, se origina no ouvido médio pelo emperramento da cadeia de ossinhos que transmite as vibrações do tímpano ao ouvido interno. O outro, nervoso ou de percepção, decorre de lesões ou destruição das células ciliadas que formam o órgão de Corti, transmissor de impulsos nervosos ao cérebro, onde são transformados em percepção auditiva. Ele é uma estrutura helicoidal que fica dentro do caracol ou cóclea (órgão do ouvido interno). As células ciliadas são assim chamadas porque possuem numerosos cílios (estereocílios) em sua superfície livre. Quando as ondas sonoras entram na cóclea, um delicado dispositivo de duas membranas produz movimentos especiais dos cílios. A excitação provocada por esses movimentos é afinal transferida como impulso nervoso ao cérebro.
Durante muito tempo se pensou que as células ciliadas não fossem reparáveis ou regeneráveis quando lesadas ou destruídas por vários motivos -idade, tóxicos como os antibióticos estreptomicina e gentamicina em altas doses, infecções, excesso de ruído etc.- e que os indivíduos já nascessem com estoque completo dessas células, não se formando outras no decorrer da vida. Essa idéia se modificou um pouco quando se descobriu que as células ciliadas das "linhas laterais" de peixes e anfíbios (órgãos que permitem sentir o movimento das águas) podem se regenerar e que os tubarões novos têm menos células ciliadas que os adultos, indicação que nesses animais há formação de novas.
Em 1987, trabalhos realizados com pintos e codornas adultas demonstraram, por técnicas apuradas, que nesses vertebrados há regeneração das células ciliadas experimentalmente destruídas. A regeneração se faz pela multiplicação das células de sustentação que ficam na base das ciliadas. Aquelas células se multiplicam duas vezes seguidas e a última se transforma em célula ciliada. Ficou assim provado que o processo de regeneração não só ocorre em animais de sangue quente (homeotermos) como também acontece em animais tanto novos quanto adultos.
Ainda se ignora o mecanismo pelo qual as células de sustentação passam de seu estado normal de dormência para o de atividade e transformação. Para essa dúvida só se esperam respostas tardiamente. Muito mais importante é outra dúvida: até onde esses dados se aplicam aos seres humanos? Até hoje não se demonstrou a regeneração de células ciliadas em mamíferos. O mais que sabemos é que experiências com culturas de embriões de camundongos mostram que a adição de ácido retinóico à cultura faz aumentar muito o número de células ciliadas. O ácido retinóico desempenha relevantes funções na diferenciação embrionária. Nesse caso, não se pode falar em regeneração, mas de diferenciação da célula precursora em ciliadas.
Ainda que se venha a demonstrar que os mamíferos, em particular o homem, possam regenerar as células ciliadas, isso não implicará necessariamente a cura da surdez provocada pela destruição das células. É que a perda da audição geralmente envolve alterações nocivas em estruturas próximas das células destruídas, as quais teriam de ser reparadas. Sem falar do necessário estabelecimento das ligações entre as novas células e o cérebro. Algumas experiências em curso revelaram que as células regeneradas transmitem informação ao cérebro.
Desses experimentos à possibilidade de corrigir a surdez nervosa humana pela regeneração das células ciliadas vai um passo gigantesco, possivelmente décadas de pesquisa. Quanto à surdez de condução a microcirurgia, há muito já resolveu o problema em certos casos por intervenção direta na cadeia de ossinhos.

Texto Anterior: MATEMÁTICA; COSMOLOGIA
Próximo Texto: Revolução cultural na Pré-História
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.