São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997 |
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Revolução cultural na Pré-História
RICARDO BONALUME NETO
Vários ossos parecidos já tinham sido encontrados antes pela equipe franco-brasileira que estuda o sítio arqueológico de Santa Elina, a 100 km de Cuiabá. A grande diferença é que essa pequena placa óssea da pele do animal, chamada osteodermo, foi trabalhada por um artesão pré-histórico e transformada em um adorno. O pedaço de osso pertenceu a um animal já extinto, uma preguiça-gigante chamada glossotério que podia ter até quatro metros de comprimento. O osteodermo mostra sinais de ter sido talhado, e apresenta dois furos, como se fosse um brinco ou parte de um colar. O sítio está sendo estudado desde 1984 por uma equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), coordenada por Levy Figuti, e do Museu Nacional de História Natural, de Paris, coordenada por Denis Vialou e sua mulher, Águeda Vilhena Vialou, ex-pesquisadora do MAE. É a primeira vez que os pesquisadores descobrem uma associação tão clara entre a grande fauna -"megafauna"- pré-histórica e uma atividade humana no Brasil. Para Denis Vialou, o adorno corporifica aquele momento na evolução humana "em que o homem passou a dominar o mundo de modo real e simbólico". O antigo habitante do Mato Grosso, um "paleoíndio", não só caçou o glossotério, como utilizou-o para produzir uma representação artística. Essa revolução cultural da pré-história humana tem seus traços mais famosos nas grutas pintadas da França e da Espanha, como Lascaux e Altamira. O sítio de Santa Elina é um "abrigo", e não uma gruta -isto é, ele não é profundo, e, apesar de constituir um refúgio contra os rigores do clima, recebe luz solar durante parte do dia. O abrigo também tem pinturas nas paredes, mas parecem ser mais recentes. São cerca de mil representações de animais -como cervos, antas e macacos-, de seres humanos e de sinais gráficos. Curiosamente, há desenhos de antigos índios com o que parecem ser brincos. Os pesquisadores encontraram até agora três camadas básicas de solos no abrigo, correspondentes a diferentes momentos da ocupação. O adorno foi encontrado na mais funda das camadas, a três metros da superfície. Os pesquisadores não têm dúvidas de que o osteodermo, encontrado junto a outros ossos de preguiça-gigante, é um artefato humano. Também foi achada uma outra peça, uma pequena esfera óssea, que aparenta também ter sido lascada por um artista pré-histórico. Para concluir com segurança que também se trata de um objeto, a esfera será estudada por um especialista capaz de interpretar as marcas e sulcos como feitos por um instrumento humano, ou pelo dente de um animal. Texto Anterior: Resultados animam pesquisa da surdez de percepção Próximo Texto: Sítio tem cerca de mil pinturas Índice |
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