São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Sítio tem cerca de mil pinturas

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem indícios que o sítio pré-histórico de Santa Elina, no município de Jangada (MT), está entre os mais antigos das Américas, podendo chegar a algo como 27 mil anos atrás. Mas a datação é uma das menores preocupações da equipe que o estuda.
"Tem havido uma preocupação excessiva dos arqueólogos com a questão das datações", afirma Denis Vialou.
Mais importante que apenas estabelecer a época da presença humana nesse abrigo de pedra, é entender como era essa ocupação.
E para isso a equipe de pesquisa é constituída de especialistas de várias áreas, não só das instituições que coordenam a pesquisa -a USP e o Museu Nacional de História Natural francês-, como também de outras universidades brasileiras.
A datação se baseia nas modificações físico-químicas pelas quais passam os fósseis, notadamente nas proporções entre as diferente variantes (isótopos) de um mesmo elemento químico, como é o caso do carbono.
Um aperfeiçoamento recente na datação, a chamada AMS (sigla em inglês para espectrometria de massa por acelerador), permitiu datar diretamente as pinturas, usando uma pequena amostra do pigmento. Mas os dados nunca são exatos. "As pinturas na gruta de Cougnac, na França, apresentaram três datações bem diferentes", diz ele.
O primeiro aspecto do abrigo mato-grossense que salta aos olhos são as pinturas nas paredes de pedra. Mas as escavações também revelam ossos de animais, carvão de fogueiras -"achamos carvões belíssimos no nível de 10 mil anos atrás", diz Águeda Vialou-, instrumentos de pedra e até mesmo material normalmente perecível, mas que sobreviveu até hoje graças às excelentes condições locais de conservação.
A primeira das três camadas identificadas, que vai até 80 cm de profundidade, corresponde a um período climático bem seco, e isso ajudou na preservação de restos de vegetais. Havia flores e frutos -por exemplo, babaçu e folhas de palmeiras.
Entre os artefatos dos últimos 2.000 anos foi possível encontrar até mesmo uma sandália.
O grande desafio dos pesquisadores em qualquer sítio arqueológico é tentar diferenciar as épocas de ocupação e os vestígios referentes a elas.
Nem sempre os objetos encontrados em uma mesma camada de solo podem pertencer à mesma época. O movimento dos sedimentos, a infiltração de água e a ação de animais podem mover de lugar um determinado fóssil. No abrigo, esse parece ser o caso de estacas de madeira, que teriam "flutuado" de uma camada para a outra.
A presença de várias vértebras de preguiça-gigante, associada com vestígios de ocupação humana, significa que ali poderia ser o local em que os antigos habitantes do abrigo teriam esquartejado sua presa. O ato da sua preparação seria um acontecimento social importante, "daria para muitos churrascos", brinca Vialou.
O primeiro indício dessa "megafauna" no abrigo foi encontrado em 1990. Com a ajuda de um especialista no tema, Cástor Cartelle, da Universidade Federal de Minas Gerais, os ossos foram identificados como sendo de glossotério.
A equipe deverá voltar a escavar o sítio em julho de 1998 -"depois da Copa do Mundo da França", como faz questão de lembrar o pesquisador francês casado com uma brasileira.
(RBN)

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