São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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A reforma do Conselho de Segurança

LUIZ FELIPE LAMPREIA

A reforma do Conselho de Segurança é um tema tão antigo quanto a própria ONU. O Brasil sempre defendeu um conselho mais representativo e que preste contas à totalidade dos membros das Nações Unidas. Nunca assumiu, porém, uma postura paralisante ou obstrucionista.
Ao contrário. Depois de estar 20 anos ausente do conselho como membro não-permanente, o Brasil voltou em 1988 e 1989 e em 1993 e 1994. Em janeiro, retornará, para o biênio 1998-1999, consolidando sua participação nos esforços pela manutenção da paz e da segurança internacionais.
Os últimos desenvolvimentos em Nova York e, sobretudo, as diferenças nas posições do Brasil e da Argentina deram uma projeção nova à questão da reforma e à eventual participação brasileira em um conselho ampliado.
Três fatos novos vieram dar impulso às reformas: 1) a eleição do novo secretário-geral, empenhado em uma reforma pragmática e realista das Nações Unidas; 2) a determinação do presidente da 51ª Assembléia-Geral, o malásio Ismail Razali, de fazer avançar a reforma do Conselho, a partir de um projeto de reforma pela ampliação do número de membros permanentes -dois desenvolvidos e três em desenvolvimento- e não-permanentes -algo em torno de cinco-, deixando em suspenso, por agora, a questão do veto; 3) o anúncio do governo norte-americano de que havia reconsiderado a sua posição tradicional para favorecer não só o acréscimo da Alemanha e do Japão, mas também o de três países em desenvolvimento da América Latina, da África e da Ásia, escolhidos por indicação nominal ou em bases rotativas.
O projeto Razali determina que primeiro se definirá o novo formato do conselho, para só depois elegerem-se os países que ocuparão os assentos permanentes eventualmente criados -uma votação democrática da Assembléia-Geral. Tudo tem que ser aprovado por maioria de dois terços da Assembléia-Geral, sempre com o voto concorrente dos membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia), que podem, portanto, exercer o seu poder de veto nas duas etapas.
O projeto não atribui a regiões ou grupos a prerrogativa de propor ou "vetar" eventuais candidatos, evitando, assim, a necessidade de consensos nas regiões sobre a forma de preencher o seu eventual assento permanente.
A proposta está, portanto, de acordo com a lógica que deve nortear a reforma do Conselho, ao lhe dar uma dimensão universal, e é compatível com a idéia que o Brasil defende: uma reforma voltada a fortalecer o conselho e as Nações Unidas como um todo e não a contemplar interesses individuais.
Queremos um conselho mais representativo da macroestrutura internacional contemporânea e mais eficiente. Para isso, ele deve ser ampliado tanto na categoria de membros permanentes, de forma a contemplar também o mundo em desenvolvimento, quanto na de não-permanentes, de forma a possibilitar uma participação mais frequente dos países interessados.
Repudiamos toda discriminação na atribuição ou no preenchimento desses assentos. Não podemos aceitar a criação de uma terceira ou quarta categoria de membros, que enfraqueça ou desvalorize a participação do mundo em desenvolvimento no conselho ampliado.
Se prevalecer essa visão da reforma, o Brasil poderia ser chamado a exercer as responsabilidades de membro permanente. Seria natural que assim ocorresse. Seria prestigioso para o país. Seria o reconhecimento de progresso considerável na inserção e na ação externa do Brasil. E seria algo que reforçaria nossa interlocução com o mundo inteiro.
O Brasil é visto como um importante ator nas articulações na ONU; como um país capaz de ser fator de equilíbrio e ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; país de diplomacia segura, tradição pacífica, ações refletidas e coerentes, que não cede a impulsos nem recorre a gestos histriônicos. Por isso, encontra-se entre os países mais procurados para consultas; sua liderança discreta e equilibrada é bem recebida dentro e fora da nossa região.
Não nos furtaremos a exercer as responsabilidades inerentes à condição de membro permanente do Conselho de Segurança se formos chamados a isso.
Defenderemos os interesses do Brasil no conselho e lutaremos para que nossa região esteja ali plenamente representada. Não abriremos mão do que é natural, objetiva e universalmente reconhecido: que, se uma vaga permanente tiver de ser preenchida por um país latino-americano, o Brasil conta com credenciais que o habilitam legitimamente a apresentar-se ou ser apresentado para essa função.
Mas não subordinaremos a nossa política externa a esse objetivo nem deixaremos que ele afete adversamente as prioridades da nossa ação internacional. A OMC, o Mercosul e as relações com parceiros de primeira magnitude, como a Argentina, são prioridades básicas, que se traduzem em dados macroeconômicos e em projeção internacional do país. Não desejamos que sejam afetadas, seja pela incidência conflitiva de outros temas, seja pelo desvio desproporcional da atenção que devemos dar a essas prioridades.
Uma participação mais intensa do Brasil nas Nações Unidas teria também consequências práticas e financeiras.
Por isso, é necessário um debate amplo sobre as responsabilidades concretas que nos incumbiriam como membro permanente, já que, além do ônus financeiro -que poderia chegar a US$ 80 milhões anuais-, essa condição implica não a obrigatoriedade, mas a disposição de participar mais ativamente em operações de paz e o imperativo de termos preparo e disponibilidade militar para fazê-lo de forma ágil.
Essa não é e não pode tornar-se uma questão partidária ou de política interna, nem um objetivo ou um alvo de manifestações de natureza eleitoral. Estamos falando de um interesse permanente do Brasil. Nossa atitude, nossas decisões terão consequências duradouras. Não devem, portanto, ser fruto de um cálculo alheio à política externa.
Em suma, o Conselho de Segurança é um tema importante para a diplomacia brasileira. Mas a nossa abordagem do assunto se insere em uma concepção ampla da política externa e das relações internacionais, que não se subordina nem é condicionada por temas individuais. Por isso nossa preocupação em não fechar o leque das nossas opções, em não nos isolarmos nas nossas posições, em manter o espírito aberto.
A nossa reação à entrevista do presidente Menem procurou evitar que o assunto seja colocado em termos que enfraqueçam a relação entre os dois países ou o Mercosul. Isso não significa que não possam haver diferenças de enfoque e de políticas fora da relação bilateral Brasil-Argentina ou do Mercosul. Essas diferenças são não apenas naturais, mas saudáveis, e refletem visões de mundo distintas que decorrem das posições que cada um dos países ocupa no mundo e das suas experiências históricas individuais. A reforma do conselho não é um tema central, estrutural, nas relações entre o Brasil e a Argentina ou para o Mercosul.
Nosso interesse principal na questão foi resguardado: não queremos que o assunto afete adversamente as relações com a Argentina nem a coesão do Mercosul. Não queremos que se instrumentalizem esse e outros temas para criar a cizânia entre parceiros especiais, nem para introduzir falsos elementos de barganha que jamais aceitaríamos.

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