São Paulo, segunda-feira, 1 de setembro de 1997
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Ciência e burocracia

ISAIAS RAW

Nenhuma atividade é mais dependente da importação rápida. O universo de produtos químicos e bioquímicos disponíveis é de cerca de 80 mil.
Em 1985, quando surgiu um programa de estímulo à pesquisa, com empréstimo do Banco Mundial, criamos uma central de insumos (Sardi) apenas para pesquisadores com recursos oficiais, que armazena, desse universo, cerca de 3.000 itens e importa os demais. Foi estabelecida a lei 8.010, de 1990, concedendo isenção de direitos e determinando à alfândega a imediata liberação dos materiais.
Produtos que levavam até um ano para serem importados, por vias oficiais, poderiam agora ser recebidos em tempo para não invalidar os projetos de pesquisa. Com um canal oficial, tentou-se eliminar atravessadores e contrabandistas, que cobravam até dez vezes mais pelos insumos. Esses esforços acabam de ser derrubados pela burocracia.
Para modernizar a importação, foi estabelecido um sistema computadorizado, acessível por modem, que emite a autorização para importar. Os detalhes que foram adicionados fizeram com que uma importação de um aparelho científico exija praticamente tantas licenças quantos itens constem da fatura. Imagine uma importação de cem insumos, com um valor de apenas US$ 5.000, exigir cem licenças!
O Ministério da Saúde, no intuito de bloquear a entrada de entorpecentes e produtos para ensaios clínicos, criou a portaria 54, de 14/2/97, que exige autorização do Ministério da Saúde específica para esses produtos.
Os fiscais da alfândega, por ignorância ou má vontade, passaram a exigir a autorização do Ministério da Saúde para todos os insumos, aparelhos e acessórios importados pelos laboratórios de pesquisa. Um laboratório de física agora precisa da autorização do Ministério da Saúde! O Ministério suspendeu a exigência, mas a alfândega não acata a suspensão.
Para melhor orientar a burocracia, havia sido emitido o comunicado Decex 1996, que lista a complexa rede de autorizações, além da do CNPq.
Se o composto é inorgânico ou orgânico, exige a autorização do Ministério da Saúde (os burocratas descobriram que existem psicotrópicos e entorpecentes inorgânicos!). Se é halogenado (isto é, contém cloro, iodo ou flúor), precisa da autorização do Ministério do Meio Ambiente. Se é produto biológico, precisa da autorização do Ministério da Agricultura; se vivo, do Ibama; e, tudo, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo!
Quando o material é radiativo (mesmo natural ou em quantidades irrisórias), necessita de autorização do Ipen. Por sua vez, a Polícia Federal, para controlar drogas que podem servir de explosivos ou solventes que podem ser usados para o refino de narcóticos (milhares de litros usados na Colômbia são fabricados no Brasil, por grandes empresas), exige autorização para compra ou importação, quer se trate de uma tonelada ou de 50 gramas (o que a alfândega apreendeu de deutero-acetona destinada a um laboratório até que tivéssemos a autorização da Polícia Federal...). Somado a isso, o desembaraço simplificado, que permitia retirar materiais (muitos perecíveis) enquanto a burocracia caminhava, foi eliminado.
Acabamos de passar por uma crise com a falta de vacina tríplice, cujo teste é feito em camundongos especiais, desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Pedimos mais camundongos para aumentar a criação. O Instituto Nacional de Saúde dos EUA mandou 200, livres de bactérias e vírus, e, quando o avião pousou em Brasília, os camundongos foram apreendidos. Com intervenção do Ministério da Saúde, foram liberados e embarcados para São Paulo, onde novamente foram apreendidos, até que se fosse no dia seguinte a uma repartição federal para obter autorização. Nova interferência, e, depois de quase 40 horas, os camundongos foram liberados. Um terço já havia morrido de fome e sede!
Em contraste, a cada dia as "formigas" trazem o equivalente a um ano de importação dos laboratórios em sacolas que vêm do Paraguai. Quem fica algumas horas na saída internacional do Aeroporto de Guarulhos assiste ao espetáculo de outras "formigas" com carrinhos cheios de "bagagem".
Enquanto isso, os materiais importados legalmente com recursos públicos (apenas US$ 250 milhões por ano) ficam embaixo das imensas pilhas de importações esperando ser encontrados e, quando desembaraçados, já estão irremediavelmente perdidos. Quando o material, por sua natureza, impede seu transporte por avião, vem por navio; até há pouco se limitava a navios nacionais. Temos recebido materiais no valor de menos de US$ 20 e pagado para sua liberação uma taxa da ordem de R$ 1.200 -custo Brasil!
A solução é ridiculamente simples -restabelecer o controle da importação de equipamentos e insumos por laboratórios com recursos oficiais, sob o controle exclusivo do CNPq, que emite as autorizações e fiscaliza o material importado nos aeroportos de São Paulo e Brasília e no porto de Santos.

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