São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Leia trechos da entrevista coletiva concedida pelo presidente da República

Folha - Presidente, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), presidente do Congresso, e o líder do governo na Câmara, deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), afirmaram que não colocariam a mão no fogo garantindo que não houve compra de votos na votação da emenda da reeleição. A pergunta é se o sr. coloca a mão no fogo garantindo que não houve a compra de voto para a aprovação da emenda?
FHC - Olha, eu posso garantir que as minhas mãos eu ponho no fogo. Agora, como é que eu vou garantir a mão alheia? Eu acho que eles disseram a mesma coisa: a minha mão eu ponho no fogo. E outra coisa: esse tema já não está gasto? Todas as vezes que se levantou essa questão vai ver o que aconteceu? A reeleição foi aprovada por uma maioria imensa. As pesquisas de opinião eram favoráveis, a grande imprensa favorável, os deputados também. Eu acho que isso é mera questão de política menor. Se houver algum caso efetivo que se puna. Agora, o que o Antonio Carlos e o Luís Eduardo disseram, isso qualquer pessoa de boa fé pode dizer. Pode garantir por si pelo outros não.
Folha - Se a questão era por aí, presidente, por que a base governista não apoiou uma CPI para investigar o assunto?
FHC - Eu sei, mas eu não vou repetir isso aqui mais uma vez. Eu acho que essa questão, na verdade, foi feita pela Câmara, decisão tomada na Câmara. Agora, se a Folha quiser encontrar outro caminho para... ela encontre, mas eu não estou vendo nada de novo na matéria. Se houver algo de novo, o resto é um problema da Câmara, que faça isso ou faça aquilo, puna do modo que for possível punir.
Rede Manchete - Presidente, o sr. há pouco fazia mais uma vez um apelo ao Congresso para a votação das reformas. O sr. com certeza vai precisar do apoio de todos os aliados. Eu gostaria de lembrar, destacar que, recentemente, na votação da lei eleitoral, o PTB e o PMDB se aliaram à oposição para votar em vários pontos que contrariam o governo. Então, queria perguntar ao sr.... o PMDB, inclusive, agora setores do PMDB já pensam em lançar um candidato próprio à Presidência da República. Estão em campanha contra o governo, em reação ao governo, em críticas ao governo. Eu queria saber se o sr. acha que é a hora de o PMDB, dos ministros do PMDB deixarem o governo. E quanto ao PPB, ainda se fala no encontro, aquele que o sr. teve com o prefeito Paulo Maluf, no Alvorada, e na possibilidade de uma aliança. Quanto ao PPB eu queria saber se o sr. conta com o apoio do PPB, espera o apoio do PPB na sua campanha à reeleição. Se o sr. poderá apoiar o prefeito Paulo Maluf em São Paulo e, se não pretende apoiar, se vai subir no palanque do governador Covas.
FHC - (Rindo)Realmente , "plus ça change, plus c'est la même chose" (quanto mais muda, mais fica do mesmo jeito). Vamos lá, eu vou repetir, não se preocupe. É o seguinte: a questão da votação da lei eleitoral é uma questão delicada, que diz respeito muito mais a... diz respeito aos interesses. Uns são gerais outros são partidários. Eu disse sempre a minha opinião sobre isso, ouviu? Olha, eu só quero regras claras. Eu acho que nós temos que ter regras claras. As regras que se definam aí. É claro que cada partido vai verificar na hora de fazer a regra como é que ele vai conciliar a regra clara e de interesse geral com aquilo que é seu interesse. E nessa matéria é muito difícil que você possa falar de uma base do governo. O governo não estava lançado nessa questão da lei eleitoral. Eu não pedi nada especificamente a respeito de lei eleitoral. O relator me apresentou um relatório que eu considerei razoável. Disse isso. Acho que a lei como foi aprovada está razoável. Eu não sei, foi aprovada na Câmara, não foi ainda no Senado, porque existem pontos, como financiamento, que nós vamos ter que ver como é que o Senado vai encaminhar. Não tenho nenhum reparo a fazer no que diz respeito à questão de inaugurações. Eu acho isso tudo, isso é uma coisa tão velha, imaginar que alguém ganhe eleição porque inaugura. Eu acho que o Brasil mudou tanto, eu não estou preocupado com isso não. Eu acredito que os partidos têm lá seus legítimos interesses e vão discutir. A única coisa que eu manifestei é que eu sou do PSDB e meu número é 45. Eu acho que aí seria realmente uma coisa que não teria sentido mudar o número do presidente da República, porque aí prejudica um partido. E eu sou do PSDB e vou continuar sendo com muita satisfação. Então foi só isso.
Com relação a candidaturas eu acho natural que os partidos discutam isso. Partido é para isso. Partido é para avaliar qual é a pos sibilidade que ele tem de ascender às posições de mando. Claro que ele tem que perguntar também, mandar para quê? Qual é a minha proposta, não é isso? Tudo bem, mas isso cada partido tem o dever de fazer isso. O PMDB vai examinar abundantemente qual é o melhor caminho para o PMDB, o PPB também. Isso, eu já disse -repito tudo isso- eu nunca conversei com o ex-prefeito Paulo Maluf em termos de apoio eleitoral. Isso... o Brasil já amadureceu o suficiente para saber que essas questões não se dão assim: "Você vai me apoiar? Não vai me apoiar"? Isso é pobre. Quer dizer, as pessoas também não vão se comprometer antes da hora porque têm que sentir, nem eu saber se sou candidato ou não. Eu disse isso a vida inteira. Eu disse isso a vida inteira, a reeleição tem que ser separada da decisão pessoal do atual ocupante, a qual vai se dar no momento oportuno, porque eu não quero tomar decisões precipitadas.
Nós estamos muito longe ainda das eleições. Isso vale para mim, vale para o PSDB, vale para todos os partidos. Eles vão discutir e você não tem, eu não tenho ilusões de que, havendo chance e havendo uma boa proposta, qual é o partido que não vai se lançar? E com que direito eu vou pedir que não se lance? Eu não estou preocupado, eu não estou sinceramente preocupado com isso. Eu estou preocupado em fazer uma boa administração e fortalecer aquelas forças que estão apoiando o governo e que se quiserem continuar apoiando no próximo governo a mim ou a outro. A minha idéia a respeito de como se governa também é conhecida e não é de agora. Eu escrevi muito. Muita gente diz aí: "Ah!, mudou de idéia". Eu não mudei de idéia coisa nenhuma. É que não leram o que eu escrevi. Se forem ler o que eu escrevi a vida inteira, eu disse: ninguém governa sem aliança. É impossível imaginar que você instaura uma ordem. Isso é uma visão autoritária, fundamentalista da pureza. Não é meu pensamento sociológico e político.
Então, se eu penso assim, por que eu vou estar cobrando dos partidos que se comportem de outra maneira? Não está em discussão se os ministros... os ministros estão trabalhando bem pelo governo. Eles são ministros do governo, não são ministros do PSDB nem são ministro de uma aliança político-eleitoral. Eles são ministros de um governo, eles têm que cumprir o que o governo tem como programa. Quando chegar o momento adequado das eleições e eu já disse: quem quiser se candidatar no governo vai conversar comigo. Eu gostaria de, no ano que vem, saber com anterioridade, que...aliás, o presidente Itamar fez a mesma coisa por uma razão prática, porque precisa dar governabilidade ao país, confiança ao país. Mas eu não tenho nenhum reparo a fazer a que os partidos, pelo contrário discuto fulano, beltrano é bom, não é? Enquanto ... o bom para o Brasil é isso. Se os partidos tiverem boas propostas e bons candidatos, vamos discutir nas urnas. Eu não tenho uma visão, digamos, gulosa dessa matéria.
Rede Manchete - Presidente, só para tirar dúvidas: em São Paulo, o sr. se sente à vontade para apoiar o governador Covas ou pode ficar dividido aí com Maluf?
FHC - Mas eu sou do PSDB. O Covas, além de meu amigo pessoal há muitos anos, companheiro de luta, é do PSDB. Eu não vou me sentir à vontade de apoiar o Covas? Agora, a pergunta é outra: o presidente da República, como tal, se for candidato, se for apoiado por vários partidos, como é que ele vai atuar? Isso é uma questão que eu vou colocar ao meu partido e aos outros partidos. Eu também quero lhe dizer com toda a sinceridade o que eu acho dessa matéria. O povo brasileiro, o eleitor não se engana, não é, por mais que possa ser assim...grato...a pessoa ouvir ah! se fulano apoiar, se o presidente apoiar...não acontece nada. Em eleição o povo estabelece separações, vota num e não vota noutro. Um é de um partido, o outro é de outro partido, dependendo do nível em que está sendo colocado. O apoio ajuda, mas não decide. Eu já perdi eleição e já ganhei eleição. Olha, em larga medida tudo depende do candidato mesmo, o que ele faça, do que ele representa, das articulações que ele faz ou não. Não se deve cobrar apoio de terceiros para ganhar. Não se deve imaginar que, porque perdeu, foi culpa de fulano.
Eu perdi a eleição para prefeito de São Paulo com uma diferença pequena. Reuni todo o PSDB, era o PMDB, todo o PMDB, inclusive aqueles que eram acusados de não estarem muito firmes comigo e agradeci a eles o apoio que puderam dar e assumi a responsabilidade sozinho de não ter ganho, porque no fundo é isso. Se nós tivéssemos uma estrutura partidária mais estável, mais sólida, você pode dizer: bom, é fundamental. Aqui não. Então, eu não discuti esse assunto com ninguém e com relação ao PSDB de São Paulo o que eu fiz na candidatura do Serra? O único lugar onde eu disse que eu tinha um candidato foi em São Paulo porque eu sou eleitor lá. Só isso.
Rede Globo - Bom dia, sr. presidente.
FHC - Bom dia.
Rede Globo - Presidente, na semana passada, vamos a coisas novas, o Congresso Nacional está discutindo a lei eleitoral e a Câmara aprovou a verba eleitoral de R$ 420 milhões. Também na semana passada o ministro do Planejamento, Antonio Kandir, anunciou o Orçamento para o ano que vem. É um orçamento que, segundo o próprio ministro, e o sr. reafirmou isso aqui, beneficia mais a área social, traz muitos cortes é um orçamento realista, não adianta fazer previsões que não se poderão cumprir depois. Então, objetivamente, eu gostaria de perguntar o seguinte: essa verba eleitoral prevista...Qual é a posição do governo com relação a essa verba? O sr. acha que essa verba provoca um rombo no Orçamento? O sr. vai pedir aos líderes do governo que tentem derrubar essa verba na votação do Senado? Se ela não for derrubada, o sr. vai tirar dinheiro da área social do Orçamento para cobri-la ou o sr. vai vetar essa verba?
FHC - Bom, eu podia dizer simplesmente que o Senado ainda não aprovou e que, portanto, o melhor é eu me reservar, mas eu não vou dizer isso. Por quê? Porque eu acho que a maneira como isso foi feito, não é a quantidade de dinheiro, é mais grave que a quantidade de dinheiro, não é a melhor. Porque para que se possa efetivamente -e eu sou favorável ao financiamento público... Eu como senador apresentei uma proposta, juntamente com o senador Passarinho e com o senador Ronan Tito, PMDB, PSDB e naquela época era PDS, eu creio, nós apresentamos um projeto que, aliás, foi bastante criticado porque se dizia que era dinheiro público para a campanha eleitoral. Bem, e isso é um aspecto a ser discutido mesmo.
Tenho a impressão de que a população não gosta disso. Bem, mas eu acho que do jeito que está é pior a emenda que o soneto. Por quê? Porque para que possa haver efetivamente financiamento público precisa ter regra sobre o que é partido. Senão daqui a pouco vamos ter gente formando partido para ter acesso ao dinheiro e isso passa a ser uma coisa escandalosa. Como não há regras sobre partidos é uma coisa que não tem sentido. Por outro lado, pelo que eu vi, beneficiaria escandalosamente o presidente da República e os partidos que apóiam o presidente e uma quantia de dinheiro enorme. Eu não vejo a lógica disso. Eu espero que o Senado coincida com o meu ponto de vista e me poupe um veto.
Jovem Pan - Presidente, bom dia. Senhor presidente, empresários e pessoas físicas também têm reclamado da grande... No Brasil se paga muito imposto. E isso, em alguns casos, inclusive tem encarecido produtos. O governo tem ações que indicam que não está interessado na reforma tributária que está no Congresso. Eu cito, por exemplo, a prorrogação da CPMF e também a prorrogação do FEF, que têm recebido, inclusive, críticas da base governista. Gostaria de perguntar ao senhor se o governo precisa desse caixa especial de imposto alto e se o senhor tem previsão de apoiar a reforma tributária.
Presidente - Veja, em primeiro lugar, não há caixa de imposto alto. O que se diz, o que se vê... Pode olhar o Orçamento atual. O que há é escassez de recursos. É verdade que você pode dizer: "Bom, mas por que não corta"? Não há mais o que cortar. Só tem três itens cortáveis, que são pessoal -e não pode cortar, porque a Constituição não permite-, Previdência -e não pode cortar- e o outro são juros, que também estão presos, justamente, ao endividamento do Estado, que está ligado a pessoal e Previdência. Então, nós estamos aqui num círculo complicado de ser rompido. Não há abundância de recursos, embora alguém possa dizer que paga muito imposto. Bem, eu não quero entrar na discussão, se paga muito imposto ou pouco imposto. Imposto, o nome já diz: é imposto, não é voluntário. Ninguém gosta, não é? Suponho que você não goste também, não é? Agora, o governo, o que é que fez nessa matéria? Reduziu o Imposto de Renda de Pessoas Físicas para duas, são duas alíquotas só -15% e 25%-, reduziu o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica substancialmente, tirou o ICMS dos produtos de exportação, tirou os impostos dos equipamentos, de máquinas etc.. E por aí vai.
Quer dizer, o governo fez várias reformas nessa área tributária, infraconstitucionais. Se se comparar como funciona hoje o sistema tributário brasileiro com o que era há três anos, vai-se ver que o governo, a Receita passou o tempo todo alterando, para dar maior racionalidade e reduzir os impostos. No caso específico do ICMS (o presidente erra nesta e nas próximas três referências ao citar o Imposto sobre Mercadorias e Serviços em vez da CPMF, Contribuição Provisória de Movimentação Financeira), qual é a posição do governo? A posição do governo é a seguinte: nós precisamos de recursos para a saúde. O ICMS foi aprovado pelo Senado, pelo Congresso, por um prazo de dois anos, e o governo reduziu para 11 meses numa outra lei, na expectativa de que houvesse uma reforma capaz de assegurar recursos para a saúde. Não houve tal reforma. Não se avançou para que nós pudéssemos dizer: bom, não é necessário o ICMS, porque tem outro mecanismo. Então, o governo não tem alternativa, a menos que vá fechar os hospitais, não dar atendimento. E a crítica, aí, viria pelo lado social, com toda razão.
Então, o governo não tem outra alternativa, a não ser dizer ao Congresso: "Olhe, em face da inexistência de uma decisão sobre as outras formas estáveis de financiar a saúde, por favor, vamos continuar com o ICMS. Se houver outra forma, o quanto antes...CPMF (o presidente se corrige). Se houver outra forma, quanto antes o governo está disposto a aceitar essa outra forma. O FEF é a mesma coisa. O FEF é a base da capacidade que o governo tem hoje de gerir melhor o Orçamento e, portanto, de dar sustentabilidade ao Plano Real. Ele desvincula recursos. O FEF é uma maneira de desvincular recursos. Claro, quando se vai olhar o que aconteceu com o Fundo de Participação dos Estados e Municípios, aumentou, não diminuiu, está aumentando, aumentando mais do que proporcionalmente o crescimento do PIB. Portanto, não está havendo perda nesse sentido. Está havendo perda num outro sentido: é que a decisão sobre o gasto passa a ser uma decisão no plano federal. Mas esse gasto é feito e executado no município. Onde? Na saúde, na educação e na Previdência. O FEF permite que o governo financie a Previdência, porque não houve a reforma da Previdência, e permite que o governo devolva aos municípios, sob a forma de recursos para a educação. É muito mais uma questão política. E é tão fácil. Eu até estranhei por que é que os prefeitos não vieram aqui para lutar pela reforma administrativa, porque, se viessem lutar pela reforma administrativa, estariam acabando com o FEF. Se vierem lutar aqui pela reforma da Previdência, estão acabando com o FEF.
Agora, o mais fácil é dizer: "O governo federal tem que passar..." e não vêm ajudar, na prática, a mudança das coisas. Vamos dizer as questões como elas são. Então, é isso. O governo está desejoso da reforma tributária. Agora, há um outro aspecto da reforma tributária que é precisamente a distribuição do bolo entre União, Estados e municípios. Não é mais a questão do setor produtivo que está em jogo. No setor produtivo, nós avançamos muito na redução de impostos. Nós avançamos bastante e ainda podemos avançar um pouquinho, em certas áreas, que eu farei oportunamente. Mas avançamos muito. Agora, no que diz respeito à distribuição do bolo, que é uma questão complexa, aqui existe uma discussão de base, a questão do Imposto sobre Valor Agregado, o IVA, a substituição do ICMS pelo IVA. E isso tem a ver com: onde é que se cobra o imposto? Na origem ou no destino? Isso tem a ver com a briga entre os Estados. Então, é uma questão política delicada. É por isso que o governo federal não conseguiu avançar mais. É só isso. Mas a disposição de avançar existe.

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