São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Leia a fala do presidente Fernando Henrique Cardoso antes da entrevista

Mas eu quero mencionar, apenas, dois pontos, para mostrar como essas transformações, pelas quais o Brasil está passando, vêm juntas, no âmbito econômico e no âmbito social.
A questão da reforma agrária. Eu acho que é indiscutível que o governo, hoje, dispõe de capacidade de fazer assentamentos. Muito menor do que aquilo que cada um de nós gostaria. Mas muito maior do que jamais se fez.
Assegura-me o ministro da Reforma Agrária que nós vamos cumprir a meta, este ano, de assentar 80 mil famílias. Nós já assentamos mais de 100 mil. E estamos firmes nessa direção.
Estamos investindo fortemente -e aí o governo de São Paulo tem tido um papel decisivo, também- no Pontal do Paranapanema, onde alocamos recursos vultosos -R$ 50 milhões. Desapropriamos 85 mil hectares. Estamos assentando muitas famílias. E devo dizer também que, na área de desapropriação -eu não tenho o dado de cabeça-, mas nós já devemos ter desapropriado mais ou menos 3.500 milhões hectares, no meu governo. Uma Bélgica.
Bem, o novo ITR começa a ser cobrado em setembro, porque é a época oportuna -Imposto Territorial Rural. E isso, juntamente com o Plano Real, e com as auditorias que nós temos feito, no Incra, fez com que houvesse uma perda de valor da terra de, mais ou menos, 30%. Porque a terra, efetivamente, deixou de ser valor de reserva, reserva de valor. Passou a ser, realmente, instrumento de trabalho. E vai ser cada vez mais.
Se não projetarmos isso em dez anos, esta questão trágica, que é dos séculos passados, e que o século 20 não resolveu, deixou para nós, agora. E daqui transferindo para os próximos séculos, mas estamos enfrentando, que é o acesso mais democrático à terra. Está encaminhado.
O Congresso deu as leis necessárias, o rito sumário. Houve um juiz, da 12ª Vara, de Belo Horizonte que, em 12 dias, conseguiu fazer a transcrição de propriedade, em nome da União. Doze dias. Isso levava anos, no passado. Graças ao rito sumário.
Cortamos as superindenizações. Este ano foi uma economia de R$ 600 milhões, por isso. Vamos fazer, em 98, imaginamos que R$ 800 milhões. Baixamos os juros do Procera, de 12% para 6,5% ao ano. A inflação está por volta de 5,6, é um juro simbólico. E estamos recadastrando as terras por via de satélite. Vamos ter um levantamento de mais ou menos 27 milhões de hectares, para poder ver melhor o que se pode fazer. Estamos, também, descentralizando. O Banco da Terra está prestes a ter R$ 1 bilhão. Há programas específicos com a Cédula da Terra, que já foi lançada. Não vou entrar mais em detalhes, faremos leilões de terras. O BID está dando dinheiro. Isso é muito importante, quer dizer, por mais que as pessoas reclamem, e é justo até que reclamem, porque é preciso que haja pressão. Nós temos que ter um sentido de equilíbrio.
Nenhum governo, nenhum se empenhou mais na questão da reforma agrária do que o atual governo. Entendida não só como desapropriação, entendida também com apoio à pequena propriedade produtiva. Nós fizemos um programa chamado Pronaf, que foi criado neste governo, que está em pleno funcionamento e que está dando recursos à agricultura de base familiar. Ontem, ou anteontem, eu fui a um acampamento de sem-terra. Fui sozinho, fui com o major que é o meu ajudante, um motorista, uma pessoa que trabalha na fazenda e mais um médico que me acompanha. E fui lá para ver de perto a situações. Dramática, devo dizer. Entrei numa casa, sentei -casa com telha, com uma coberta de lona. Não fui com mais ninguém. Eu queria simplesmente sentir de perto, ver o que acontece. É muito difícil, porque no caso ocupam, não havendo planejamento, não havendo a capacidade de uma organização melhor, quando se tumultua muito o processo, é muito difícil atender às necessidades, porque as pessoas ficam lá e não têm os recursos necessários. Onde é que está a escola? Não tem a escola.
Eu fiquei profundamente impressionado com as conversas que tive com as pessoas simples lá, que querem, realmente, trabalhar, querem terra, querem trabalho. Uma moça jovem, dois filhos, ensina. Mas lá não há escola. Ela é professora, sabe ensinar, lá precisa ter uma escola. Como é que se pode ter uma escola em cada assentamento neste Brasil imenso, precisa haver, talvez, um sistema de transporte, porque ao lado, a 20 km dali há uma vila. A escola é na vila, mas como é que leva a criança para a vila? É uma mocinha de 14 anos que veio do Mato Grosso, o pai está em Mato Grosso, ou melhor, a mãe está em Mato Grosso, o pai está casado com outra nesse assentamento, é o líder do assentamento. Mocinha extraordinária, de uma vivacidade incrível. Eu digo: e você em que escola está? Agora eu estou fora da escola. Ah, e cadê o óleo, não tem o óleo para... E o trator de quem é? É emprestado, um deputado mandou, não sei quem também. E cadê o óleo? Ah, o óleo tem que vir lá de Buritis. Buritis fica a cento e tantos quilômetros dali. Como é que vem óleo? Ah, é o prefeito. O prefeito é um bom prefeito, eu almocei com o prefeito, aliás, eu almocei num bar, mas aí ele chegou, um padre, uma pessoa dedicada, me pareceu, do PPS.
Muito bem, esse problema não vai ser resolvido desde Brasília, é o impossível, daí o empenho em que haja descentralização, em que haja o empenho direto dos municípios, o empenho direto dos governantes. Na mentalidade antiga tudo era Brasília. E se imaginava que, pelo peso do proprietário de terra, nada podia ser movido sem a força do presidente. Muito bem, a força de que o presidente dispõe está sendo usada para que as coisas avancem, mas é uma concepção equivocada, burocrática e política, porque é fácil fazer uma passeata, fazer pressão para o presidente. É tão fácil, como se o presidente fosse contra. Não é contra, quer. Mas para realizar é preciso que haja um empenho de todos.
Então é importantíssimo o programa que está sendo lançado com o apoio já de alguns governadores, espero que de muitos prefeitos, de descentralizar, municipalizar, não na responsabilidade de arranjar os recursos nem de desapropriar, que o presidente está disposto a isso tranquilamente, não tem nenhum problema, mas no sentido que é o fundamental do Brasil de hoje. Não basta falar, tem que fazer. E fazer não é dá uma ordem é, realmente, ter dentro da cabeça de cada um de nós a solidariedade necessária para com aquela gente humilde que precisa do apoio, não é do presidente da República só, é de todo o país. Acho até que é uma experiência existencial importante, que as pessoas vejam de perto em tudo isso. Como é que é a questão do atendimento do médico, do agente comunitário de saúde, do médico de família? Como é que é a questão efetiva do assentamento? Onde é que é a casinha? Eu entrei na casa, sentei na casa de toldo, de lona, de plástico preto, dois quartinhos pequenininhos, uma salinha pequena, mas dava para sentar, mas tudo feito ali mesmo, há 15 dias só. Só não fiquei mais tempo para não constranger, porque aí começa a chegar gente, e eu estava sozinho, se estivesse com a imprensa era mais difícil de conversar. Mas eu acho que a mim foi muito, digamos, motivador ver isso e ver que nós precisamos desideologizar essas questões.
A reforma agrária é um imperativo da pobreza e da democracia. Agora, não deve ser usada como bandeira simplesmente contra FHC. Tem tanta bandeira contra FHC. Por que pegar essa, que atrapalha o povo, se FHC está de acordo em fazer essas transformações?
Isso para mostrar que o governo se preocupa, digamos, não apenas por atos formais. O governo, realmente, está empenhado em que as coisas mudem. O país está empenhado. Não é só o governo. E as coisas podem mudar. Nós podemos enfrentar isso. Num prazo de alguns anos, nós podemos resolver essa questão dramática, da qual somos herdeiros, da concentração da terra.
Agora, hoje já não existe o poder dos latifundiário, que no passado havia. Para isso, o Congresso aprovou todas as mudanças. Existe violência, sim, no campo. Violência social. E nós temos que combater isso. Eu acho que essa questão da violência é, talvez, uma das questões mais desafiadoras do mundo contemporâneo. Ela assume formas as mais diversas e assume, aqui também, essa forma no campo, que nós devemos combater, com muita energia.
Mas, repito: isso é uma questão que acho que nós temos que assumir como nação. Fazer com que exista gente, digamos, atendida não só no que é elementar, de comida, mas na dignidade. Quando você vê de perto quem está assentado, você vê que é uma questão de dignidade. Nós temos é que atender com sensibilidade essa questão.
Bom, rapidamente, o último tema de que quero falar, antes das perguntas de vocês, que eu gostaria de chamar a atenção, é o seguinte: na questão da Previdência -aí estão os dados- houve uma modificação sensível no Brasil também. Esse gráfico mostra o que acontecia com os benefícios mensais pagos no décimo dia útil. Olhem o que acontecia entre a perda provocada pela inflação. A perda média, em 92, 93, 94, era de 11,24%. Hoje é, praticamente, nenhuma. Hoje é, praticamente, nenhuma. Podem ver lá, pelo gráfico em vermelho, e a curva foi normatizada no verde, para ver qual é a perda média. Então, o fato de fazer isso já deu algum avanço na questão das aposentadorias e das pensões. Eu não estou me referindo ao valor delas, que não se perde pela inflação. Isso aumenta a capacidade de compra.
E vejam, em seguida, os benefícios concedidos, que vocês vão ver também que o valor médio do benefício subiu de R$ 116 para R$ 252, com a introdução do real e com as ações do Ministério da Previdência. E, se forem ver o gasto total do país, em termos do PIB, vão ver que passou de 4,82 para 5,50% do PIB aquilo que é dado, que é distribuído em termos de pensões e aposentadorias. Você que nós chegamos a 17 milhões de pessoas que são atendidas, hoje, pelo sistema da Previdência Social no Brasil.
Existem programas de renda mínima no Brasil. Existem programas para os idosos. Existem programas para os que têm deficiência física. Esses programas estão gastando, mais ou menos, R$ 700 milhões. E existe também uma outra questão: é que houve uma distribuição melhor -aí está- uma distribuição melhor dos benefícios. Aí é difícil, tem que calcular um com o outro.
Eu vou dar os números. Em 93, 66% dos que recebiam pensão ou aposentadoria recebiam até um salário mínimo. Agora são 50%. E, até dez salários mínimos, eram 5% e passou para 14%. Quer dizer, está havendo uma melhor distribuição das pensões.
Bem, com isso, eu termino esta mensagem que eu queria lhes trazer. A mensagem é de confiança, é de otimismo, porque o Brasil apresenta resultados. Mas é também mensagem de necessidade de maior sensibilidade social. Mostrei dados que dizem que as coisas estão se movendo na boa direção. Não falei na educação. Falei na reforma agrária, na Previdência, os dados que estão aí.
Só que isso não pode ser feito com demagogia. E não pode ser feito, simplesmente, desconhecendo as condições efetivas do Orçamento, do Tesouro, do que dá para fazer, o que não dá para fazer e qual é o caminho a ser percorrido. Eu acho que hoje é obrigação de todos nós, o presidente da República e cada um dos cidadãos, entender esse crescimento da economia, que o mercado resolve os problemas do mercado, às vezes, mas não resolve os problemas da pessoa. E, portanto, que essa discussão sobre se é mercado ou social é uma discussão que fica deslocada, porque o mercado é necessário, para balizar, para crescer, e ele não resolve o problema das pessoas, da sociedade, é preciso que haja maior solidariedade.
Eu estava lendo, outro dia, no discurso de um líder estrangeiro, da social-democracia, e ele dizia que continuava a ser socialista. Ele botou: socialista. Bem, isso é verdadeiro. Quer dizer, nós temos que continuar a ser, nesse sentido, socialistas, olhar para o social. Mas isso não pode ser feito como à moda antiga, como se fosse possível, por uma vontade política, por apertar um botão, as coisas acontecerem. Tem que ser feito junto com as transformações que estão ocorrendo. Esse é o grande desafio nosso, de entendermos, nós, brasileiros, que isso é necessário, nós temos que ter esse comprometimento, que isso é possível e nós já estamos caminhando nessa direção, e cada vez mais. E que é preciso somar forças.
Então eu termino dizendo que, agora, acabei de iniciar a Semana da Pátria. Eu faço, mais uma vez, um apelo: não transformemos o Sete de Setembro numa data de desunião. Inclusão implica nesse compromisso íntimo de todos nós e de prática efetiva, de criar um clima que permita, realmente, a melhoria de todos e não um clima que diga, tem os bons e tem os maus. Talvez tenha e tem mesmo, mas quem é bom, quem é mal? Em que sentido? Quando? Por quê? Qual é o momento? Então é preciso ter uma idéia mais generosa de solidariedade, uma solidariedade que esteja baseada no conhecimento das coisas, num valor, num objetivo de melhorar, de fazer aquilo que for bom para a comunidade, para seu próximo. Mas não pode isso ser feito como se fosse um passe de mágica. E a grande mudança do Brasil, é que o Brasil deixou de acreditar em mágica, não acredita na mágica da política, não acredita na mágica econômica e nem acredita mais na mágica social. Perdem tempo os que pensam tirar da cartola ou da batina, ou de onde seja, a solução, ou do boné, a solução social, porque a solução social não é mágica, ela depende de um compromisso de vida efetivo, de consciência de trabalho.
Quero deixar esta palavra de muita confiança no Brasil e no sentido do que nós, brasileiros, estamos fazendo neste 1º de setembro.
E agora estou à disposição daqueles que queriam me perguntar.

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