São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Tigres, samba-merengue e o pato de sempre

LUÍS PAULO ROSENBERG

O Brasil, com a necessidade de captar volumes colossais de recursos no exterior nos próximos tempos e com a imagem manchada por calotes recorrentes ao longo de sua história, tem obrigação de entender o que está acontecendo no Sudeste Asiático, para bem administrar os desdobramentos que de lá podem nos atingir.
Comecemos descartando as teorias conspiratórias para explicar crises econômicas, tão ao gosto dos políticos que as provocam e dos economistas que não entendem que diabos está ocorrendo.
George Soros, que anteriormente havia convertido milhares de dólares de seus clientes em bahts tailandeses para investir naquele país é tão responsável pela desvalorização da moeda local -ao perceber que a Tailândia não teria condições de honrar sua política cambial e por isso se arrancar de lá com os fundos de seus investidores enquanto dava tempo- quanto uma locomotiva que atropela um faquir que resolveu tirar uma soneca sobre os trilhos da ferrovia.
A crise no Sudeste Asiático tem fundamentos econômicos e financeiros bem profundos. É bem diferente dos que explicam as crises cambiais latino-americanas.
De fato, qual a cronologia-padrão da crise cambial abaixo do Rio Grande?
O governo provoca uma progressiva sobrevalorização da moeda local, induzindo aceleração das importações e queda das exportações. Dependendo do poder de persuasão dos PhDs no governo e da capacidade de marketing dos seus políticos, vai-se enrolando o mundo financeiro, convencendo-o a financiar o déficit "transitório".
A bola de neve cresce, até que alguns lá de fora pagam para ver o blefe, sacando seus dólares. Imediatamente, o governo ajusta o câmbio, sobe juros, desaquece a economia, exporta mais e importa menos e seguimos em frente, machucados, mas realinhados.
A crise do Sudeste Asiático é diferente. O fator de crise predominante em quase todas as economias da região é o alto nível de endividamento das grandes empresas nacionais, contraído sempre em condições vantajosas no passado e que, por problemas vários, não está sendo honrado junto ao sistema bancário. A Kia coreana é um bom exemplo.
Repare que em todos esses países há a tal da "simbiose Estado-setor privado", expressa por uma "política estratégica de desenvolvimento de longo prazo", sustentada por uma "política de desenvolvimento industrial balanceada".
Pois bem, todas as expressões entre aspas do parágrafo anterior podem ser simplificadas como: "boquinha, teta, cambalacho, maracutaia armados com dinheiro público para subsidiar de forma generalizada e pornográfica a riqueza dos empresários amigos do rei, enquanto a sociedade como um todo paga o pato, sempre em nome do bem comum".
A inadimplência crescente dos conglomerados industriais mambembes vai-se acumulando nos grandes bancos nacionais do Sudeste Asiático. O capital estrangeiro aí investido, escutando o bater de asas do passaralho que inicia o seu vôo vingador, foge para a moeda forte.
Infelizmente, uma crise cambial com esse pano de fundo não pode acabar tão linearmente como as latinas. Por que se a origem dela é a insustentável situação financeira das grandes empresas, como desvalorizar o câmbio e elevar os juros, agravando mortalmente o quadro interno?
Ou seja, a crise pega os tigres sem instrumentos para enfrentá-la e seus governos autoritários entorpecidos por anos sem crise e ainda acreditando que descobriram o moto-perpétuo do subsídio-crescimento.
No Brasil, sistematicamente depois que corrigimos atrasos cambiais, observávamos uma recuperação das Bolsas, pois a leitura dos investidores é de que a política macroeconômica ganha consistência, o que levará o país a crescer mais solidamente.
Na Ásia, o sofrimento será mais duradouro: desvalorização cambial leva a mais juros, que gera mais prejuízos financeiros para as empresas e fragilidade bancária, menor valor delas em Bolsa, provocando saída de capitais, mais desvalorização e assim sucessivamente.
Primeira conclusão: está dando a lógica, o processo é longo e doloroso e não há luz ainda no fim do túnel.
Segunda conclusão: as perdas sofridas pelos investidores estrangeiros nesses países podem impor um aperto na liquidez das demais economias emergentes como a nossa, mormente se a Bolsa de Nova York continuar em queda continuada.
Terceira conclusão: Inglaterra, Estados Unidos e Argentina já descobriram que fora do esforço imposto pela economia de mercado só há solução fácil e intervencionista à custa de uma trombada mais para a frente.
Com os fatos recentes, será que França, Japão e Coréia estarão aprendendo essa lição?

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