São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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Correria paulistana desgasta Joel

FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

O processo de adaptação do carioca Joel Santana, 48, a São Paulo não se resume às dificuldades encontradas no Corinthians em seus primeiros 17 dias de trabalho.
Apelidado de "o Rei do Rio" após ter conquistado títulos em todos os grandes clubes daquela cidade (foi campeão Estadual pelo Vasco em 92 e 93, pelo Fluminense, em 95, pelo Flamengo, em 96, e pelo Botafogo, em 97) Joel tem reclamado dos inúmeros compromissos e do corre-corre que têm caracterizado o seu 'batizado' paulistano.
O técnico assumiu o time durante excursão à Espanha, no Torneio Ramón de Carranza, no qual venceu um jogo e empatou outro.
Ao voltar para o Brasil, encontrou no Parque São Jorge um ambiente carregado por brigas de bastidores, -o vice-presidente de futebol, José Mansur Farhat, desentendeu-se com o diretor de Esportes do banco Excel, Mário Sérgio Paiva, por causa da venda do meia-atacante Marcelinho para o futebol espanhol.
Para completar, o time vem desenhando uma reta descendente no Brasileiro. A derrota para o São Paulo, anteontem, no Pacaembu, foi a terceira seguida no torneio, a primeira sob o seu comando.
A reportagem da Folha tentou conversar com o técnico antes do treino do Corinthians, ontem à tarde. Apressado e lacônico nas respostas, afirmou que não poderia falar nada, pois "estava chegando agora."
Minutos mais tarde, mais calmo, Joel resolveu falar.
Explicou que necessita de tempo para conhecer melhor as pessoas e o novo ambiente em que convive.
"Preciso sentir o perfume do clube, conhecer suas dependências e suas pessoas. O trabalho depende também disso."
Permitiu-se até brincar durante o treino. Transformou o gramado do Parque São Jorge em "playground" e, balbuciando palavras típicas de um pai abobalhado, "jogou bola" por vários minutos com o garoto Rafael, de um ano, filho do meia-lateral Edinam.
*
Folha - Dezessete dias depois de ter sido contratado, já dá para conhecer o time do Corinthians a ponto de analisar esse mal desempenho no Brasileiro?
Joel Santana - Não tenho muita coisa para falar porque estou chegando agora. Nem sei nem o nome dos jogadores direito ainda. É muito difícil com uma semana de trabalho responder a certas perguntas, você não tem subsídios. Isso deveria ser proibido no futebol. Por que isso é como trocar de casa. Até começar a reorganizar as coisas leva tempo. Temos que ser frios nesse processo. Os times que já vieram armados dos regionais, com técnico e esquema tático, como o Inter e a Lusa, estão indo bem no Brasileiro. Nós ainda estamos tentando procurar a melhor equipe. Só peço paciência, tenho que ter o grupo em minhas mãos.
Folha - Logo após a sua chegada, estourou no Corinthians mais uma confusão interna, que veio se juntar às dificuldades em escalar o time titular e às cobranças da torcida. Quando aceitou sem hesitação o convite para trabalhar no clube, você imaginava que encontraria tantos problemas?
Joel - Houve alguns problemas a semana passada, mas você vê que o astral começa a melhorar. Na nossa chegada, a coisa estava muito ruim, isso aqui parecia um cemitério. Juntaram os problemas de processo político, que não comento, com os desfalques no time. Veio tudo de uma vez. Tomara que naquela semana tenha acontecido tudo de ruim que tinha para acontecer.
Folha - Você tem sentido diferenças entre o Corinthians e os outros clubes em que trabalhou no Rio?
Joel - Não gosto de fazer termo de comparação, pois cada clube tem as suas particularidades. Mas o Corinthians exige mais paixão, uma entrega maior. Desde que cheguei aqui não tive um dia de folga. Não estou tendo tempo de fazer muita coisa. Ontem, (anteontem) fui conseguir voltar para casa só depois da meia-noite, sem jantar. Logo depois do jogo me levaram para um programa de TV.
Folha - Já que falou nisso, você tem notado uma mudança também no ritmo de trabalho aqui em São Paulo?
Joel - Vocês (jornalistas) têm que ter condições de ter acesso à informação, mas, para nós, é um processo desgastante. Desde que cheguei, todo mundo só me fez pergunta e me levou para a TV. Ninguém me chamou para ir no shopping ou ao cinema. Você vai entrando num processo desgastante. Aqui a coisa é mais vivida. Pela imprensa, pelo torcedor e dentro do próprio clube. Sem dúvida, é um ritmo mais acelerado.
Folha - No clássico de anteontem, quando você pôs o Neto, que estava sem atuar havia muito tempo, em campo, já foi uma primeira concessão à pressão da torcida, que gritava o nome do jogador?
Joel - Pedido me fazem todo dia. Até meu filho, que está no Rio, me ligou ontem pedindo uma camisa do Corinthians. No meu primeiro dia no clube, já tinham mais de 15 cartas na minha mesa, a maioria com pedidos. Se você ceder a isso, não trabalha.
Folha - Em relação a essa pressão da torcida, já tinha sentido algo semelhante em outro clube?
Joel - No Flamengo também há essa ansiedade, esse modo de a torcida ser. Agora mesmo eu estava no meu apart-hotel e uma senhora me abordou no elevador: 'Boa sorte para você no Corinthians'.
Folha - Você gosta muito de conversar e brincar com os atletas, como se fosse um deles. Essa lado companheiro é uma das chaves do seu trabalho?
Joel - Trato o jogador como meu filho. Se merece respeito, vai ser respeitado. Procuro fazer tudo o que for possível para ele render o máximo dentro de campo. Sou fiel a eles e espero que eles sejam fiéis a mim. Procuro dar carinho, mas eles sabem que chega um momento em que a cobrança passa a não ser mais minha, mas do clube.
Folha - A sua sequência de títulos no Rio acendeu um grande interesse em analisar o seu trabalho mais a fundo. Como você encara isso?
Joel - Os analistas começaram a acompanhar melhor o que eu estava fazendo e a se interessar pelo meu trabalho. Várias pessoas se ofereceram para escrever um livro com a minha carreira. Acho que já estava no momento de eu pensar nisso. Comecei a gravar minhas preleções, que era algo que não fazia.
Folha - E esse livro, quando deverá ser lançado?
Joel - Não é nada para agora. Vai demorar um pouco ainda.

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