São Paulo, terça-feira, 2 de setembro de 1997
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LADY DI E A MÍDIA

A morte da princesa Diana, em uma circunstância violenta e inesperada, provocou no mundo inteiro grande comoção e, como seu subproduto imediato, uma tentativa mais do que emocional de encontrar um responsável pela perda de seu objeto de apego. Condenaram-se os paparazzi, fotógrafos perseguidores de celebridades, e a imprensa em geral. Não se conhecem as causas precisas do acidente, mas o caso exige, mesmo por parte interessada, como este jornal, uma reflexão sobre a atuação dos meios de comunicação e a sociedade que os consome.
Atribuir a culpa pela morte de Diana, de seu namorado, o empresário Mohamed al Fayed, e do motorista aos paparazzi, ou ainda à vocação sensacionalista da imprensa que se serve de seu trabalho, simplifica demasiadamente a questão.
A sociedade que agora, sob o impacto da morte de uma personagem tão jovem e glamourosa, condena os abusos da mídia é a mesma que consome com avidez o material produzido sobre a intimidade de personalidades. E se é verdade que o público está na base da cadeia de responsabilidades que estimula esse processo, na outra ponta estão as próprias personalidades, na maioria dos casos cúmplices de uma mídia com a qual mantêm relações ambíguas.
Diana foi uma grande vítima da cultura do mexerico industrializado, mas também foi beneficiária de uma mídia que dependeu, para vicejar, da destruição, ao longo do século, dos limites entre o público e o privado.
O "star system", impulsionado a partir dos anos 20 pela indústria de Hollywood, alimentou o bovarismo na sociedade de consumo de massa. Como se sabe, a personagem mais célebre do romancista francês Gustave Flaubert, madame Bovary, sonhava com uma vida mais brilhante que a de seu cotidiano cinzento de pequeno-burguesa.
Não há dúvida de que é preciso discutir a fundo a atuação da imprensa à luz de uma tragédia em certa medida anunciada. Que isso não signifique, porém, relegar ao esquecimento a discussão ainda mais complicada sobre os fundamentos de uma sociedade que dilui na prática, objetivamente, independentemente de princípios éticos ou de vontades isoladas, os limites do que é público, íntimo ou privado. Não há como fazer uma imprensa perfeita no interior de uma sociedade imperfeita.

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