São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Futebol é muito maior do que a criação artística'

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Estou aqui nos fundões do Rio Grande, outrora chamado de caminho dos paulistas, onde se ergue a simpática Passo Fundo, cidade de 170 mil habitantes, para falar sobre futebol e literatura. Mas só o que ouço é a chiadeira dos colorados contra o absoluto desprezo da crônica esportiva de São Paulo com relação à brilhante campanha do Inter, líder invicto do Campeonato Brasileiro.
E com toda razão, diga-se, pois eu mesmo me coloco no topo da relação dos que não enalteceram devidamente o feito colorado. Mas, confesso, que nunca por desfeita ou descaso. Só por desconhecimento.
E aqui os colorados concordam comigo: cadê o líder na TV, nossa janela para o mundo? Passa fugaz e encolhido nos breves resumos das rodadas, o que não permite se ter uma visão mais precisa e ampla do campeão gaúcho que promete repetir a dose em nível nacional.
Nessas imagens fugidias, porém, já deu para captar a solidez desse time dirigido por Celso Roth, um novo nome que surge na área dos técnicos. Para criar uma imagem com fumaças de literatice, embalado pelo clima, diria que o Inter veste bombachas na defesa e calça sapatilhas no ataque, embora o artilheiro Christian precisasse de um número 44.
Acontece que aquele Inter tinha a Máquina do dr. Horta, o Flu de Carlos Alberto Pintinho, Rivellino e Paulo César pra servir-lhe de emulação.
Hoje, quem tem?
*
A questão aqui na Universidade de Passo Fundo, hoje, é por que cargas d'água o futebol não tem na literatura brasileira a correspondência de sua verdadeira dimensão na nossa sociedade?
Na verdade, pode-se expandir a questão para todas as demais manifestações artísticas -música, cinema, teatro e artes plásticas. O futebol, de há muito, se infiltrou de tal forma no tecido social brasileiro que está presente no nosso dia-a-dia de maneira sufocante. Respiramos futebol, falamos futebol, quer gostemos ou não de futebol. Ele já faz parte da própria natureza do brasileiro. Mas isso não está devidamente expresso na poesia, na prosa, nem impresso nas obras espalhadas pelas galerias de arte, tampouco nas telas de cinema, representado devidamente nos palcos ou seu rico gestual capturado pelas coreografias de balé.
Talvez a resposta esteja com o professor, ensaísta, poeta, escritor e gênio em geral, Décio Pignatari, que, a propósito, me disse certa vez: "É que o futebol é muito maior do que a criação artística".
O que o mestre queria dizer, se entendi, é que o futebol incorpora a graça do balé, a dinâmica do cinema, a expressão do ser e dos movimentos das artes plásticas, cria os mais inverossímeis personagens, tece as tramas mais insólitas que a ficção possa conceber e nos derrama um belo verso, ao menos, a cada partida.
Assim, criou sua própria semântica, uma linguagem que dispensa as demais.

Texto Anterior: Brasil esportivo
Próximo Texto: Maconha agora é doping para a Fifa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.