São Paulo, quarta-feira, 3 de setembro de 1997
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DENTADURA REAL

Alguns dos traços da personalidade -política, inclusive- do presidente da República se combinaram no seu mais recente discurso para compor uma forma de comunicação com o público que não é nova, mas deteriorada em relação a manifestações anteriores, algumas quase ensaísticas.
Na fala em que alinhavou quase assumidamente uma espécie de plataforma de campanha, FHC mais uma vez deu mostra de seu gosto pela anedota e de inclinação por um certo bonapartismo -a tendência de se imaginar o guia da nação, acima de seus conflitos. Mas agora a graça ganha um tom escarninho -como no caso de ilustrar o sucesso do Real com a alta duvidosa e de importância discutível do consumo de dentaduras; os trechos de ruminação incongruente dão a impressão de que o presidente não se dirige aos interlocutores, mesmo que o aparente solilóquio possa ser atenuado pelo grau de improviso de sua fala.
Seria exagero falar em lógica imperial, mas o discurso tem algo desse sabor quando se analisa sua parte mais objetivamente compreensível. Como era razoável esperar, o presidente lista o que considera suas realizações e o plano de sua "utopia realista"; a louvação da moeda dá espaço à solidariedade social, à democratização da Previdência, a melhoras no campo e à ênfase no incentivo ao desenvolvimento via BNDES.
Difícil de aceitar é a desqualificação apriorística do dissenso. Por que discordar, sugere FHC, se o presidente prevê ou provê todas essas questões que a oposição teima em levantar como bandeiras? Afinal, a bandeira social é sua, e ninguém deve tomá-la, diz explicitamente FHC. Não se trata de discutir as razões da oposição que lhe fazem "batinas" ou "bonés". O lamentável é demonstrar tanto desconforto com sua existência. Como já deu a entender quando pregou uma aliança de "a a z" em torno de seu nome, o presidente parece insinuar que são irracionais e ilegítimas as atitudes que não signifiquem adesão total à sua figura.

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