São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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'Nirvana' é metafísica vã

PAULO VIEIRA
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

O argumento: programador de jogos de realidade virtual em 2005 encontra uma maneira de sair de sua crise de identidade mauricinha: deletar um de seus próprios jogos. Atende, assim, pedido expresso de personagem humano do game, que acaba de ser tomado por súbita consciência de si e se enfastia com sua vida cíclica e suas mortes recorrentes.
O programador passa então a dedicar-se a uma corrida por locações barra-pesada em busca de chips e bandidos tecnológicos que possam ajudá-lo a ter acesso aos protegidíssimos arquivos da própria empresa em que trabalha.
A estética: bairros étnicos, neve, painéis publicitários de alta definição, computadores em cada recinto, multidões de figurantes, efeitos de design gráfico. "Blade Runner" não é mera coincidência.
A surpresa: "Nirvana" é uma produção italiana, do mesmo diretor de "Mediterrâneo", a comédia pacifista insular que foi Oscar de filme estrangeiro em 1992.
Nirvana, para o hinduísmo o estágio em que se interrompe a série de reencarnações e se chega ao fim da dor, é a metáfora que Salvatores encontrou para a saga do personagem Solo, o do game, que tenta mostrar à colega Maria, sem sucesso, que ambos estão emparedados em um mundo de fases que se repetem, estágios e "games over". Em outras palavras, a eternidade. O nirvana esperado viria tão-somente com a eliminação do programa, a morte.
No outro plano, aparentemente não virtual, Jimi (Christopher Lambert, canastra, com a voz grave como se houvesse engolido um woofer), o programador, também busca seu nirvana particular -e o procura na atenção que dá a Solo e, de quebra, na tentativa de encontrar a mulher que o abandonou.
Em sua balada, hospeda-se em hotel barato, é perseguido e tem acesso a um chip com a memória, emoções e "odores" da ex-mulher; inocula-o na cabeça -há um orifício próprio para isso- de Naima, uma colega que conheceu agora e por quem manifesta atração. Por uma dessas incríveis coincidências da vida, vejam só, Naima teve sua memória "danificada" e perdida, é o "receiver" ideal.
Se não se pode levar a trama a sério, reconheça-se em "Nirvana" um atraente filme de ação, salpicado por essa atraente metafísica toda, que não resiste a um grão de crítica séria.
Há toda uma sorte de interfaces homem/máquina/carma, como o "abrir janelas" dos computadores, a memória programável em humanos e o destino inexorável de Solo e os seus. Pior, Salvatores ainda se explica dizendo que não sabe bem qual das realidades de seu filme é a mais "real".
O elenco não ajuda, notadamente Lambert. O apoio, italiano, vale pelo que tem de exótico: Solo é um cinquentão bonachão, antítese de um herói de videogame; Joystick, um Zappa sem a guitarra e Naima (a belíssima italiana Stefania Rocca), exibe, em 2005, cabelos azuis como aqueles que quase nos acostumamos a ver no começo dos 80.

Filme: Nirvana
Produção: Itália, 1996
Direção: Gabriele Salvatores
Com: Christopher Lambert, Emmanuelle Seigner, Diego Abatantuono
Quando: estréia hoje, nos cines Marabá, Iguatemi 1, Bristol 1 e circuito

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