São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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Binochet et Téchine

OLIVIER SÉGURET
DO "LIBÉRATION"

Sentada no banco de trás do táxi, Juliette Binoche encarna Alice, seu primeiro grande papel desde o Oscar.
A sua direita, como Benjamin, Mathieu Amalric, jovem já com bastante destaque no panorama de atores franceses.
Na direção do táxi, Robert, aliás Roschdy Zem, coringa bigodudo que desde "De l'Autre Côté de la Mer", filme de Dominique Cabrera, tem seu espaço conquistado.
Na câmera, André Téchiné, em sua, como ele mesmo declara, um pouco desolado, sua maior produção: mais de 40 personagens, em cerca de 60 cenários.
Nada excepcional para padrões hollywoodianos, mas para o cineasta é um degrau além na produção e, principalmente, um desdobramento extra no tempo das filmagens por conta do clima.
O filme, que vai se chamar "Alice e Martin", se passa entre, pelo menos, duas estações: em pleno inverno e num forte verão, em Paris e no interior da França. Há também um longo desvio para os lados da Espanha.
Diferentemente das aparências, muitos filmes de cinema não se baseiam em nenhum projeto. Com Téchiné, pode-se ficar tranquilo: uma leitura improvisada do roteiro de "Alice e Martin" confirma que o erro do cineasta, se existe, está mais para o excesso do que para a falta do que dizer.
Densa, poética e ambiciosa, a história de "Alice e Martin" pertence ao grupo das citações com traços de tragédia familiar.
Tudo sobre um fundo de paixão crua e cortante. Pode-se definir que "Alice e Martin" é claramente um filme de infância.
Basicamente a infância de Martin, à qual o filme consagra longos episódios, nos quais seus personagens adulto e criança acabam se encontrando no tempo presente.
Se Alice segue os traços de uma Juliette Binoche já famosa, o ator escolhido para encarnar Martin é Alexis Loret, no esplendor dos seus 20 anos.
Ele não havia feito nenhum filme até então. "Desde que Téchiné me mostrou os testes de Loret, eu lhe disse: 'Você encontrou seu ator'. Ele atua com clareza e simplicidade. É como se tivesse feito isso a vida toda", conta Binoche.
O diretor é um dos mais obstinados descobridores de talentos do cinema francês. Juliette Binoche, Wadeck Stanczack, Elodie Bouchez, Laurence Cote e Manuel Blanc são exemplos de novatos para os quais ele abriu caminho.
Ele é também, entre os autores renomados, aquele que mais metodicamente cultivou a nata do "star system" francês. Já é famosa sua fiel ligação com Catherine Deneuve, Jeanne Moreau e Daniel Auteuil.
"O que menos me toca em um ator é o caráter 'profissão', ao qual sou completamente indiferente.
"Conheço duas maneiras de moldar atores: trabalhar com aqueles que já estão além dessa questão, como Deneuve, Auteuil e, de certa forma, Binoche, ou descobrir os iniciantes", diz.
Esse relacionamento particular com atores foi para Téchiné o vetor de um final que não estava desenhado desde o início.
Nascido em 1943, Téchiné pertence de corpo e alma à típica geração dos cineastas pós-nouvelle vague (entre os quais, BenoŒt Jacquot, Chantal Akerman...).
Com eles, divide as aventuras teóricas e corre os riscos inevitáveis responder às exigências de uma modernidade necessária.
Pequeno Hércules dividido entre as duas colunas antagônicas do cinema francês, ele deixa às vezes sua balança se inclinar nitidamente para o lado de uma prática brechtiana ("Souvenirs d'en France"), experimental ("La Matiouette") ou libertária ("Rosas Selvagens").
Às vezes abraça estilos mais clássicos, que resultam em romances policiais cheios de glamour, como "Hotel das Américas" ou "Le Lieu du Crime".
Mas, algumas vezes, essa situação se torna insustentável e produz quase um "deslocamento": assim foi com "Les Soeurs Brontë", grande filme doentio e mal recebido, apesar de estar entre os mais interessantes do diretor.
Ali Téchiné trabalha uma estranha composição de vanguarda e desconstrução.
Mas hoje parece que esse compromisso sutil só foi possível graças aos dois pilares do "Sistema Téchiné": seu apego à infância e sua relação com os atores e atrizes do "pomar" francês.
Filmagens
Naquela manhã, nas redondezas do cemitério onde estavam sendo feitas as filmagens, uma pequena multidão de moradores e turistas se acotovelavam.
Juliette, à vontade, não se intimidou com o assédio dos mais afoitos. Em uma saia violeta de verão e camisa florida, poderia ter sido vestida por Jacques Demy.
Tranquila, ela passeou entre os túmulos, o olhar atento, em busca de um sinal, de uma pista. Quatro tomadas e então: "Corta!".
Um poço de ansiedade quando filma, Téchiné parecia frequentemente em um dilema pessoal, na busca obstinada por soluções para seus problemas invisíveis.
Sob uma aparente serenidade, existe nele um artista-diabo, que improvisa muito, transforma os planos sem hesitar e abandona as cenas inúteis sem o menor arrependimento.
Mais tarde, sob o círculo perfeito de uma lua cheia que clareia o castelo de Mercuès, onde estavam provisoriamente instalados, Téchiné retomou a expressão calma de um fiel admirador.
"Meu desejo de reencontrar Juliette era muito grande. Na época de 'Rendez-Vous' (85), ela já possuía um forte ideal artístico que não perdeu em nada o seu rumo, continua intacto, vibrante.
"Se esse ideal não encontra eco em um filme, então ele se perde. Ela tem necessidade dessa ambição artística, e esse é um fato marcante da sua personalidade."

Tradução Luiz Antonio Del Tedesco

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