São Paulo, sábado, 6 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Milão relembra personalismo de Manzoni

PAULO VIEIRA
EM MILÃO

Termina amanhã, no Palazzo Reale de Milão (Itália), retrospectiva de um dos mais provocativos artistas contemporâneos italianos.
Dadaísta, Piero Manzoni (1933-1963) viveu apenas 29 anos, mas teve uma produção aguda, numerosa, suficiente para inscrevê-lo entre os mais-mais da arte visual italiana.
Talvez a obra que melhor o represente nessa mostra não esteja exatamente no Palazzo, mas na galeria Vitorio Emanuele, defronte. É "A Base do Mundo", um cubo com a inscrição "a base do mundo". Nada de mais se as palavras não estivessem grafadas de cabeça para baixo.
No Palazzo estão outros exemplos de obras conceituais de Manzoni, que o fizeram ser associado imediatamente ao francês Yves Klein. Ambos tinham idéias dumchampianas, radicais, e as realizaram em quantidade.
Enquanto Klein fazia suas "antropometrias" usando pessoas como pincéis, ou expunha o vazio -uma galeria com paredes brancas e mais nada-, Manzoni assinava e autenticava mulheres nuas, suas "esculturas vivas", ou cozinhava ovos -e também os assinava- nos vernissages.
Foi essa a idéia que Manzoni mais radicalmente desenvolveu: a de que tudo, desde que firmado pelo artista, poderia ser obra de arte. No Palazzo está o supra-sumo desse conceito: talonários de "cartas de autenticação" de obras de arte com a assinatura do artista -ele ficava com o canhoto onde inscrevia o nome do beneficiário.
Mais bombástica ainda é a série de latas lacradas que chamou de "merda do artista".
Em maio de 61, o artista produziu 90 dessas latas -com cerca de 30 gramas da substância em cada uma, sem adição de conservantes. O Palazzo dá destaque à obra. Uma das latas está numa sala negra, completamente vazia, iluminada por um único facho de luz, dentro de uma cúpula.
Gian Carlo Argan, em "Arte Moderna", cita a obra de Manzoni como algo em que está "implícita a idéia de que a experiência estética diz respeito apenas ao artista que a realiza, e que o fruidor só poderá adquiri-la em caixa fechada, sem escolha, como faz com os produtos industriais".
É evidente a aproximação com os ready-mades de Marcel Duchamp -que, na década de 10, com a simples operação de levar a uma galeria um urinol ou uma roda de bicicleta, conferia a tais objetos o status de obra de arte.
No Palazzo estão ainda outras das mais famosas séries de Manzoni, os "acromos". São telas brancas, claramente influenciadas pelos monocromáticos de Yves Klein, que ganham volume pelo uso de materiais diversos e por dobraduras. A tinta dá lugar, com o passar dos anos, a outros materiais como algodão, pacotes amarrados e rosetas de pão.
Estão também as "linhas". Elas estão supostamente dentro de embalagens negras, cilíndricas. São diferenciadas pela extensão -discriminada e manuscrita em rótulos, na embalagem (11,65 m, 5,63 m ou mesmo de "comprimento infinito").
Por fim, em uma das salas pode-se conhecer um verdadeiro relicário do artista. Numa mesa, há um mostruário de impressões digitais, alfabetos e folhinhas de calendário.
Totalizando a produção do artista, a exposição recua até os primórdios e exibe algumas paisagens figurativas. Tão rarefeitas na produção de Manzoni, servem como curiosidade; talvez por essa mesma razão, passem um dia a ser consideradas as obras de arte "autênticas" de Manzoni.

Texto Anterior: Rio tem mostras de Di Cavalcanti
Próximo Texto: Sta. Ephigênia se inspira nas amazonas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.