São Paulo, sábado, 6 de setembro de 1997
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Jucélia e o impossível

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Dentaduras à parte, é verdade que o Plano Real melhorou a vida das pessoas, o que, de resto, é uma obviedade. Qualquer brecada forte na inflação produz esse tipo de resultado.
Daí, no entanto, ao presidente da República cavalgar o plano como se ele fosse a panacéia universal vai uma enorme distância. O Real é, talvez, a mais concreta expressão da "utopia do possível", que, por sua vez, é uma espécie de hino ao conformismo.
O possível -e apenas o possível- seria até aceitável se o Brasil fosse a Noruega ou a Suíça ou a Holanda. Está longe disso.
Qualquer ser humano que não perdeu ainda a capacidade de indignar-se tomaria o caso de Jucélia de Oliveira Santos como o hino inverso, ou seja, como um cântico à não aceitação do possível como limite máximo.
Jucélia é a desempregada que foi presa em flagrante quarta-feira, por ter roubado um frasco do remédio Wyntomilon, receitado para sua filha Suellen, que tem infecção urinária.
A moça não tinha os míseros R$ 5,80 para pagar o remédio. Os adoradores do possível dirão: em todo lugar do mundo há sempre alguém que não tem dinheiro, mesmo pouco, para comprar um remédio.
É verdade. Mas Jucélia não conseguiu os R$ 5,80 nem com a mãe nem com os vizinhos. Tampouco conseguiu o Wyntomilon nos postos da prefeitura que procurou, embora o PAS esteja para Paulo Maluf como o Real está para FHC.
Jucélia terminou por roubar o frasco em uma farmácia.
Os conformistas dirão que é um caso isolado. Sabe-se que não é. Mas, mesmo que fosse, a ninguém é dado o direito de aceitar a utopia do possível enquanto houver uma só Jucélia que não tenha R$ 5,80 para comprar o remédio da filha.
É só a perseguição a uma meta impossível como essa que diminuirá o número de Jucélias e Suellens.

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