São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil analisa acordo de fluxo de capitais

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O governo brasileiro está analisando a possibilidade de assinar, com reservas, o mais liberal acordo internacional sobre o tratamento do investimento externo.
O acordo, que leva a sigla MAI (Multilateral Agreement on Investment ou Acordo Multilateral de Investimento), está sendo negociado no âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne os 29 países supostamente mais industrializados do mundo).
O Brasil não é membro da OCDE, mas foi convidado a ser observador, com direito a voz, mas não a voto ou veto, nas negociações sobre o MAI, que, a partir do dia 15, entram em fase semidecisiva.
O acordo é definido como "uma moldura abrangente para o investimento, com altos padrões de liberalização e proteção do investimento e com eficaz mecanismo de solução de controvérsias".
É o que diz o mais recente sumário da OCDE sobre o estado das negociações, iniciadas em 1995.
Floreios semânticos à parte, o MAI representará a abertura ampla, geral e quase irrestrita ao capital estrangeiro em cada país que o assinar. O investidor poderá escolher o setor da economia em que quer investir, a localização geográfica, como e quando remeter lucros e assim por diante.
Com um detalhe que o diferencia dos demais acordos bilaterais sobre o tratamento do capital estrangeiro: compreende, além do investimento direto (em fábricas ou serviços), também os investimentos em papéis, ou seja, o capital chamado volátil.
Como prefere o italiano Renato Ruggiero, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), "é a Constituição de uma única economia global".
Se o governo brasileiro aderir de fato ao MAI, será uma guinada em relação à posição original.
O Itamaraty preferia que um acordo multilateral de investimentos fosse discutido no âmbito da OMC, no pressuposto de que a participação de um maior número de países tornaria as regras menos rígidas.
Mas a avaliação obtida pela Folha é a de que a diplomacia brasileira passou a considerar "inelutável" um acordo no âmbito mais restrito da OCDE. Além disso, a maior parte das regras já delineadas no MAI aparece em textos sobre investimentos que o Brasil assinou com países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
"As discussões sobre o MAI vão numa linha que não é estranha ao que queremos fazer", diz Marcos Caramuru, chefe da assessoria internacional do Ministério da Fazenda.
A decisão final do governo depende de uma avaliação estratégica a ser feita a partir da reunião deste mês, marcada para Paris, sede da OCDE (ver texto abaixo).
Se decidir aderir ao acordo, o Brasil apresentará uma lista de reservas sobre determinados aspectos, quase todas elas referentes a impedimentos constitucionais para a liberdade do capital externo.
O mais sensível é a área definida genericamente como "cultural". Abrange a liberdade para o capital externo nos meios de comunicação impressos ou audiovisuais.
A Constituição brasileira reserva a brasileiros a propriedade dos meios de comunicação, requisito que a maior parte dos países da OCDE também observa.
Mas o Brasil será forçado a pedir exceções igualmente nas áreas de petróleo, telecomunicações e serviços financeiros. Em todas elas, mesmo com a abertura havida nos últimos anos, ainda há restrições à liberdade de movimentos do capital estrangeiro.
Outra exceção autorizada, em princípio, pelo MAI diz respeito à imposição de restrições ao capital externo em caso de problemas com o balanço de pagamentos, o item que contabiliza todas as transações de um país com o exterior.
O balanço de pagamentos é exatamente a preocupação mais presente em relação ao Plano Real, dados os contínuos déficits comerciais brasileiros.
A eventual participação no MAI limita, de todo o modo, o raio de ação das autoridades econômicas. Hoje, se houver problemas com o balanço de pagamentos, o ministro da Fazenda pode adotar medidas unilaterais para limitar a remessa de divisas, por exemplo.
Após a adesão ao MAI, a decisão do ministro ficará sujeito ao escrutínio internacional, no caso das "partes contratantes", como são designados, no jargão internacional, os países que assinam determinados acordos.

Texto Anterior: Quem tem medo de George Soros?
Próximo Texto: Regime automotivo seria inviável
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.