São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Advogada critica projeto para plano de saúde

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A advogada Rosana Chiavassa, 37, especializada em ações contra planos e seguros de saúde, considera o projeto de lei para regulamentação dos planos, em preparação na Câmara dos Deputados, um "vergonhoso retrocesso" nas conquistas obtidas pelos consumidores junto ao Judiciário nos últimos cinco anos.
Era de Rosana Chiavassa o caso que criou jurisprudência, em abril de 1996, ao receber do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sentença inédita, obrigando a Omint Assistencial Serviços de Saúde a pagar todas as despesas de internação de um publicitário paulista portador de Aids.
Para a advogada, um dos principais problemas do projeto do governo é a proposta de transformar todos os planos de saúde em seguradoras. Segundo ela, as seguradoras são responsáveis pela maioria das ações impetradas na Justiça pelos consumidores.
"Os planos têm maior respeito pelo consumidor. As seguradoras, exatamente por se colocarem na posição de seguradoras, alegam que não prestam serviço, o que é uma grande mentira, e encontram mecanismos para fugir às suas responsabilidades", explica.
Chiavassa acha precipitada a votação do projeto no próximo dia 16, na comissão especial da Câmara dos Deputados. Ela sugere que a sociedade se mobilize via emenda popular, única maneira de ser ouvida e participar.
Em sua casa, em São Paulo, ela deu mais detalhes à Folha sobre esse e outros aspectos do projeto.
*
Folha - Como você avalia o projeto do relator Pinheiro Landim e as propostas do governo para a regulamentação dos planos de saúde?
Rosana Chiavassa - Esse projeto é um retrocesso vergonhoso na evolução da jurisprudência nessa área. Todas as conquistas e inovações alcançadas nos últimos cinco anos vão ser jogadas no lixo. O Judiciário, até surpreendendo a sociedade, tem dado decisões brilhantes contra as empresas de saúde. Infelizmente, o lobby delas vai acabar com tudo. Eu não hesito em afirmar que isso é o troco que as empresas estão dando aos consumidores pelos gastos e perdas judiciais que elas tiveram ultimamente. O que elas chamam de "prejuízos" com ações na Justiça.
Folha - A que conquistas você se refere?
Chiavassa - O simples fato de o governo querer transformar em seguradoras todos os planos de saúde dá a medida da deformação. Hoje no mercado são só 32 seguradoras que atuam, contra mil e poucos planos de saúde. A maioria das reclamações na Justiça são contra as seguradoras que, ao contrário dos melhores planos, se recusam a entrar em acordo com o consumidor.
Nas disputas na Justiça, as seguradoras se defendem com o Código Civil, que é de 1917, e que tem um capítulo sobre seguro que diz que ambas as partes, no caso de um seguro, devem seguir o que está no contrato.
Folha - Mas isso não se aplica a tudo, aos planos também?
Chiavassa - A diferença é que os planos não são seguros, não podem seguir essa regulamentação. E nem as seguradoras deveriam se valer dessas normas de 1917. Quando elas foram elaboradas, não era em seguro-saúde que se pensava. Alguns magistrados, uma fatia do Judiciário que é conservadora, que é contratualista, acham que realmente essas normas devem ser aplicadas. Mas muitos juízes e muitos desembargadores entendem que não, que essas regras não são abertas a seguros de saúde, dada a especificidade e a importância do serviço que prestam.
Folha - É necessária uma regulamentação específica, então?
Chiavassa - É importante que se atente para certos fatos que o projeto do governo parece ignorar. Por exemplo, as seguradoras não vão precisar prestar nenhum esclarecimento ao CRM (Conselho Regional de Medicina), que fica, portanto, alijado de sua função. Elas precisam ter um auditor médico responsável, como os planos de saúde têm. Todos os planos têm um diretor clínico, que é médico e que responde perante o CRM. As seguradoras, não. Então, na eventualidade de um erro médico, os planos de saúde respondem por esse erro, pois os médicos e hospitais são credenciados, associados. As seguradoras, não, porque alegam que só indicam os médicos.
Folha - Que avanços você vê no projeto do governo?
Chiavassa - Não vejo avanço algum. O projeto é totalmente desfavorável ao consumidor. Ignora as conquistas obtidas até hoje, dá espaço para que as seguradoras continuem a excluir o que chamam de "doença crônica preexistente", o que é uma pegada vergonhosa. Hoje, até sarampo estão recusando, porque é epidemia. Não atendem nem terçol porque consideram infecto-contagioso.
Folha - Mas o projeto não melhora a situação dos idosos?
Chiavassa - De maneira alguma. O governo acena com um aumento de 1% ao ano para as mensalidades dos idosos. O problema é que o preço das mensalidades é abusivo. Essas empresas ganham uma fortuna. Há um estudo que diz que elas lucraram, num único semestre, R$ 1,3 bilhão. Esse 1% vai aliviá-las em quê? O mais grave é que os contratos continuam a permitir a denúncia vazia. Ou seja, as empresas vão continuar a dispensar o associado, a romper o contrato, quando o associado não representar mais lucro para elas. O projeto do governo também não toca nisso.
Folha - O controle das empresas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados) é uma solução?
Chiavassa - É outro absurdo, que cheira a um golpe lobista para
facilitar a entrada no Brasil das multinacionais que estão de olho na previdência privada. Elas só poderão entrar se estiverem filiadas a uma seguradora brasileira. É preciso, sim, que sejam fiscalizados os cálculos, as contas dessas empresas. É preciso haver uma comissão interdisciplinar permanente para fiscalizar. O CRM para cuidar dos médicos, alguém nos hospitais para ver a qualidade e os preços abusivos cobrados pelos hospitais até mesmo das empresas de saúde. Ninguém tem controle sobre se o paciente recebeu 300 injeções ou 18. E as empresas pagam. O hospitais trabalham no limite para a ilegalidade. Tinha que ter o consumidor lá, o idoso, o doente, um conselho multidisciplinar.

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