São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Duque de Windsor abdicou para casar com divorciada

RENATO JANINE RIBEIRO

RENATO JANINE RIBEIR
Especial para folha
Pouco se lembra hoje o duque de Windsor, o primeiro dos "royals" a romper, de público, com o modelo vitoriano da família-símbolo dos valores morais da fidelidade e do sacrifício. Foi rei por menos de um ano e em 1936 abdicou para se casar com uma divorciada, Waltis Simpson. Sua história parece anunciar a do príncipe Charles.
David, enquanto príncipe de Gales, foi um dos homens mais elegantes de seu tempo. Teve relações difíceis com o pai, Jorge 5º, que reinou de 1910 a 1936. Jorge cuja imagem nos cartazes convocava os súditos a lutar pela pátria na Primeira Guerra Mundial, não entendia as dificuldades afetivas de seu filho e herdeiro.
Lembremos que, quando a realeza perdeu o poder executivo, no século 19, ela se reciclou nos valores morais. Antes disso, os reis podiam ter uma vida amorosa movimentada, como Luís 14, rei de França. Depois, isso ficou impossível.
Para sobreviver, a realeza tornou-se família. Perdeu o poder político, mas adquiriu o moral. Deixou de dirigir os negócios públicos, mas ditou os costumes. Com isso, embora fosse conservadora de formação, soube ficar acima dos partidos e manter-se como marca da identidade nacional. Esse papel é importante na Grã-Bretanha.
Custa, porém, caro à sociedade, que paga à família real suas atividades de representação -e custa também aos "royals": o sacrifício das suas dores, pelo menos em público.
Foi o que David, príncipe de Gales, não soube fazer em 1936, nem Charles, príncipe de Gales, nos anos 80. Filhos de pais severos, tenderam ambos a gostar de mulheres casadas. Mas isso não seria problema, se salvassem as aparências. Reis sempre tiveram amantes.
A dificuldade é que, para o melhor e o pior, a sociedade de hoje é mais aberta: é difícil esconder os afetos. Isso cria paparazzi detestáveis, mas também reduz o papel social da mentira nas emoções.
Assim, a crise amorosa que implodiu o breve reinado de David (que reinou como Eduardo 8º) foi abafada pelos jornais ingleses. O povo soube do romance só quando o rei abdicou, dizendo que não poderia "carregar o pesado fardo de responsabilidade" da realeza "sem a ajuda e o apoio da mulher a quem amo" -mulher repudiada pelos políticos britânicos. Mas no resto do mundo a imprensa contou tudo.
Ao lado da amada, que nunca teve o título de Alteza, o ex-rei, agora duque de Windsor, partiu para o exílio dourado que duraria até sua morte, em 1972. Alguns pensam que sua abdicação teria uma dimensão política. Com o nazismo, pensou-se que, com ele no trono, a Inglaterra não teria lutado contra Hitler.
Não concordo. Não há dúvida de que Jorge 6º, pai da atual rainha e que sucedeu ao irmão em 1936, mostrou firmeza exemplar durante a guerra, ficando com a mulher e as filhas em Londres sob os bombardeios nazistas. Já Windsor, que se iludiu em 1939 na esperança de um comando militar que ninguém daria a um príncipe, não soube lidar com as frustrações. Alguma coisa se quebrou nele ao sentir a oposição entre o coração e a coroa. O esforçado príncipe de Gales virou um duque, pelo menos nas questões políticas, amargo.
Mas isso não quer dizer que o duque de Windsor, se continuasse rei, mudasse a política inglesa. O papel da realeza havia passado das decisões políticas para uma política dos afetos. A família real devia forjar a têmpera de homens que morressem pela pátria, de mulheres que praticassem um heroísmo de cada dia nos pequenos sacrifícios do casamento e da criação dos filhos. Isso o duque jamais saberia fazer.
Saberá Charles? Pois o modelo vitoriano acabou. Trinta anos após os Beatles e a minissaia, perdeu sentido um heroísmo que se dá às custas da vida pessoal, ou um papel que exalta as aparências acima de tudo. Queremos ser felizes no amor; queremos a verdade em nossos afetos; precisamos ser solidários com os infelizes, mas sem cair na velha caridade que negava dignidade aos miseráveis.
Se essa é a agenda para uma nova realeza britânica, o que se nota é só isso: Diana foi perfeita nos três itens. O duque de Windsor não teve sorte em seu tempo, e faltou verdade a Charles. Se ele, que tanto lembra o tio duque, quiser ser rei, precisará ser um pouco Diana. Conseguirá?

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