São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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"Charles deveria sugerir fim da monarquia"

POLLY TOYNBEE
DO "THE INDEPENDENT"

O clima reinante é inusitado, imprevisível e volátil. Todos se perguntam o que significa tudo isso e o que vai acontecer depois.
Quem está lá fora nas ruas, enfrentando filas de até oito horas, a noite inteira, não são os fãs costumeiros da família real, aqueles que sabem de cor datas de aniversários de seus membros.
São pessoas que foram pegas pela emoção e estão até surpresas. Mesmo velhos jornalistas cínicos estão sendo levados na onda da emoção. Será que estamos testemunhando um estranho caso de histeria em massa?
Está claro que a família real não sabe como interpretar o significado de tudo isso. Comporta-se como se uma revolução estivesse acontecendo diante dos portões do palácio de Buckingham. E talvez tenha razão.
É como se tivesse medo de enfrentar a população, como se não entendesse o estado de ânimo do povo e temesse que ele pudesse virar hostil.
O fato é que há um clima crescente de indignação nas ruas. "Onde está a rainha?", perguntam as pessoas, que acham que Diana foi abandonada em seu caixão.
Aquela que tirou de Diana o título de alteza real, não parece disposta a confiar na generosidade das massas, que espalham flores diante de seus portões.
Sua vida de dever congelado, de rosto impassível e sombrio, pode ser admirável e repleta de sacrifícios, mas essas qualidades não estão mais na moda.
Hoje as pessoas a culpam por ser uma mãe que pôs o dever diante da maternidade, que manteve as aparências, guardando-se ao abrigo de toda emoção, e a culpam também pelo herdeiro infeliz, distorcido e agoniado que criou.
Como ela e o príncipe Charles vão conseguir manter as aparências? Chorar pareceria hipocrisia, mas deixar de chorar dará a impressão de que lamentam a perda de Diana com menos intensidade que seus súditos.
O público, impiedoso, já culpa a monarquia pela triste vida que Diana levou, privada de amor.
A rainha chamou a moça de 19 anos para ingressar em sua família infeliz, a utilizou como égua parideira e, quando a jovem não suportou mais a situação, foi posta na rua.
Ingressar na família real hoje em dia é algo visto mais ou menos como ingressar na família Adams. Não surpreende que todas que o fazem acabem se divorciando!
Não é à toa que, na época do casamento, as feministas usaram broches pedindo à princesa: "Não o faça, Di!"
Agora, a população nas ruas sente que foi cinicamente manipulada com a pompa de um casamento vazio, um "conto de fadas" de mentira.
Talvez tudo isso seja brutalmente injusto. Diana não era uma mocinha simples qualquer. Antes de casar já era profundamente neurótica. A única coisa que ela tinha em comum com Charles era uma infância desastrosa. Mas está morta e virou objeto de compaixão. O mito de Diana é que foi a monarquia que matou. E agora as pessoas temem que a monarquia destrua também seus filhos. A monarquia está virando inimiga da população britânica.
A realeza existe apenas como emblema. Não tem substância, papel ou realidade objetiva nenhuma. Como Diana disse, os monarcas precisam ser reis e rainhas dos corações das pessoas, ou não serão nada. Acabou a época dos monarcas impopulares do passado. Hoje a monarquia britânica só existe porque a população ainda a tolera.
E se ela começar a se opor aos indivíduos da família real? E se começar a sentir aversão pela instituição fria e indiferente?
O que a monarquia pode fazer para voltar a ser amada? Os assessores reais vão depositar suas esperanças no jovem William. Afinal, ele se parece com a mãe. Mas as chances de que o príncipe cresça equilibrado, feliz e mentalmente sadio dentro do palácio de Buckingham parecem remotas.
Charles é um homem sensível e pensativo, embora angustiado. Deve olhar para os filhos e se perguntar como fazer para poupá-los.
Só resta uma coisa corajosa e nobre para ele fazer. Decretar o fim dessa farsa dolorosa, vergonhosa e fútil. Renunciar à coroa e recomendar que a monarquia termine quando sua mãe morrer. O país deve se preparar para se transformar numa república moderna, ainda que isso demore a acontecer.
Afinal, a rainha talvez tenha uma vida tão longa quanto sua mãe. À sua morte, Charles poderá ter 75 anos e William, 40. O que farão com suas vidas?
E quanto ao resto de nós? Devemos viver para sempre num conto de fadas que virou pesadelo? Fomos infantilizados por nossa obsessão com essa família sem sentido e seus mitos.
Por mais comovente que seja ver o mundo chorando por Diana, há algo de preocupante nessa expressão tão extravagante de paixão e emoção, extravasada sobre um objeto tão vazio quanto a família real britânica.
A história de Diana é triste e comovente. Será terrível ver seus filhos órfãos em seu funeral. Mas a atitude mais bondosa a se tomar seria libertá-los das exigências emocionais irracionais e insaciáveis impostas a eles. Charles, mais do que ninguém, deve saber disso.

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