São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Formalismo cede ao calor autêntico e popular

MARCELO COELHO

A cerimônia fúnebre da princesa Diana foi relativamente curta; tudo funcionou com extrema precisão. Os jornais receberam, na quinta-feira, a programação completa do evento: 14 páginas com a letra dos hinos a serem cantados, com os trechos da Bíblia a serem ditos, com as indicações de quando os assistentes deveriam se levantar, de quando deveriam sentar-se. Era um "script", um roteiro de espetáculo teatral.
O primeiro-ministro Tony Blair parece ter encarado assim o espírito da cerimônia. Leu uma passagem da Carta de São Paulo aos Coríntios, fazendo pausas melodramáticas, metalizando a voz, lançando olhares "expressivos" para o público. Foi o momento de maior canastrice.
Seguiu-se Elton John, cantando ao piano uma música originalmente feita para Marilyn Monroe. A interpretação do cantor foi sóbria e comovida; mas ao mesmo tempo a impressão de "show business" tornou-se mais forte. Era como se devessem ter aplaudido Elton John quando ele acabou de cantar; só que, claro, isto não seria adequado na abadia de Westminster.
Foi então que o conde Spencer, irmão de Diana, leu sua homenagem fúnebre. O discurso foi impecável. Decidiu o caráter da cerimônia. Tudo o que ali parecia artificial e planejado caiu por terra. Mas não por meio de sentimentalismo barato ou de embargos na voz.
Spencer elogiou na irmã uma "nobreza que não depende de classe social" e lembrou, com altivez, que ela não precisava do título real para ser amada pela população. Foi além, ressaltado o papel de sua família na educação dos herdeiros do trono. A saber, o de fazê-los viver as experiências da vida em sua plenitude, abrindo-se às próprias emoções. A crítica aos Windsor estava feita. O conde expressou o sentimento popular sem fazer uso de demagogia; mantendo a compostura de súdito britânico, foi incisivo. Aplaudiram-no em plena igreja.
A partir daí, foi possível ver o espetáculo com outros olhos. Era um espetáculo, sem dúvida -mas que mobilizava sentimentos autênticos. Aqueles hinos anglicanos, que parecem não pertencer a nenhuma época em particular, com seu formato quase infantil, eram cantados por todos, de chofre, bravamente; o pudor tipicamente inglês quanto aos excessos de sentimentalidade não se traduziu em afetação. Lady Di conferia um toque republicano à monarquia britânica. Do mesmo modo, o formalismo planejado e espetacular do funeral cercou-se de um calor autêntico, intenso, popular.

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