São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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São Paulo vai virar Nova York

GILBERTO DIMENSTEIN

Quando a Walt Disney anunciou, há dois anos, que promoveria espetáculos teatrais em Nova York transformou-se em alvo de galhofa dos humoristas.
Homens de negócios apostavam que o investimento estava no limite entre a aventura e a maluquice.
A empresa decidiu promover entretenimento familiar numa rua famosa por atividades não exatamente familiares -os protagonistas eram prostitutas, traficantes de drogas, viciados, mendigos, assaltantes e frequentadores das porno-shops.
O local escolhido foi o teatro New Amsterdam, na rua 42 com a sétima avenida, respeitável no início do século. Virou cinema estilo "pulgueiro" e, enfim, esconderijo para delinquências.
Neste verão se constatou que a "maluquice" valeu a pena, compondo uma das mais interessantes experiências de revitalização numa cidade grande.
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Para atrair personagens como Pateta, Mickey e Pato Donald para aquele interesse, a cidade tinha criado um comitê pilotado por empresários interessados em revitalizar o centro. Logo conseguiriam a adesão da família que detém o controle do "The New York Times", instalado nas redondezas.
Ao mesmo tempo em que se fechava o cerco contra a delinquência, a prefeitura aprovava leis dificultando a vida das casas de pornografia; estabeleceu normas mais rígidas para os cartazes.
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Ao abrir as portas de seu teatro este ano, ninguém mais debochava da Walt Disney, arrebanhando milhões de dólares. Com a valorização da região central, empresas se sentiram atraídas a se mudar para o centro, prédios e escritórios são reocupados, teatros reformados, num círculo virtuoso.
Ver uma cidade rejuvenescer tão rápida e profundamente, contrariando os prognósticos de fracasso inevitável, está entre as experiências mais importantes da minha vida profissional.
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Acabadas minhas pesquisas, começo minha contagem regressiva de volta a São Paulo. Tento entender por que fiquei tão encantado com Nova York -aqui, confesso, pouco fui a museus, teatros, shows. Nem fiz compras- exceto livros e, principalmente, CDs.
Suspeito que o encantamento tem um motivo: Nova York me ensinou a pedagogia do otimismo, uma nova dimensão da possibilidade da ação humana. Por causa dessa pedagogia do otimismo, vejo São Paulo, onde nasci e fui criado, com outros olhos.
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São Paulo é, hoje, um dos principais problemas políticos do país. Um centro vital para o resto da nação, mas beirando a inviabilidade por causa da criminalidade, trânsito, poluição e manchas crescentes de desemprego.
Ao contrário do Rio e Salvador, São Paulo está cada vez mais feia e perigosa. Mas, como Nova York, a cidade combina deterioração urbana com energia criativa. É o centro do capital humano brasileiro, ingrediente básico para mudança. Daí deriva meu otimismo.
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Já estão surgindo sinais de que São Paulo, a exemplo de Nova York, pode passar por um processo de renascimento.
Há um sentimento de saturação misturado com iniciativas concretas como a campanha do desarmamento guiada pelos estudantes e, agora, a articulação do Natal sem Morte pelo movimento "Viva o Centro". Empresários e sindicalistas se uniram para tirar meninos das ruas centrais.
Com uma visão mais arejada, empresários adotam escolas públicas e bancam projetos sociais. Dissemina-se a visão de que não devemos esperar soluções só dos governantes.
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Mais cedo ou mais tarde, a cidade terá políticos corajosos e ousados para enfrentar a classe média e o lobby da indústria automobilística, limitando o trânsito dos carros particulares e melhorando o transporte público.
As pessoas vão acabar aprendendo a dividir seu automóvel com amigos e vizinhos, deixando de ver na máquina um símbolo de status. Ou não vão ter vergonha de andar a pé. Assim como nossos ricos não têm vergonha de andar pelas ruas de Manhattan.
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Nova York ensina que melhorar os índices de criminalidade é fazer o feijão-com-arroz social. Mais crianças nas escolas e menos nas ruas, proteção aos desempregados crônicos e excluídos, mensagem clara de que baderna é punida, e mais policiamento preventivo.
Numa reversão de tendência, os índices de homicídio estão estupidamente altos, mas já estão caindo em São Paulo. Já há uma consciência de que se deve treinar mais o policial, inclusive para direitos humanos.
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PS - Acaba de sair em Nova York um CD capaz de tornar ameno qualquer congestionamento. Chama-se "Leaning Into the Night" (Inclinado na Noite), da gravadora Sony, com arranjos do brasileiro Oscar Castro-Neves -ele também é o regente da orquestra.
Suaves melodias de Erik Satie, Ravel, Puccini, Villa-Lobos são revisitadas pelo violonista Ottmar Liebert, em sua primeira experiência com clássicos. Está de uma beleza interminável.

E-mail: gdimen@aol.com

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