São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O dia da união

VICENTE PAULO DA SILVA

Hoje, 7 de setembro, é um dia de grande importância para o nosso país. Comemoramos o início do processo de construção de uma nação justa, livre e soberana -mas, infelizmente, falta-nos muito para conquistá-la.
É neste dia também que a CNBB realiza a "Romaria dos Trabalhadores" e, desde 95, o "Grito dos Excluídos", que neste ano está sendo organizado em conjunto com a CUT, a Central de Movimentos Populares e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
É o significado desta data que a torna a mais apropriada à realização do "Grito dos Excluídos". Ele deve ser encarado como momento de reflexão e de solidariedade a todas as pessoas que, em nosso país, são privadas dos direitos mais elementares de um cidadão.
É também uma oportunidade para lembrarmos a imensa dívida social que o Brasil acumula ao longo da sua história. Para pensar naqueles que não dispõem de um teto para se abrigar, ou habitam em condições de absoluta precariedade, e naqueles que não têm terra para plantar a semente da sua subsistência; para lembrar os milhões de crianças e jovens vitimados por uma realidade que impede a existência do sonho de uma vida melhor; e para não esquecer as pessoas que, em função do desemprego, são impedidas de usar o único bem que possuem, sua força de trabalho, para garantir seu sustento.
De forma nenhuma isso se confunde com a promoção da desunião, como insinua o presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário: propomos que todos os esforços estejam voltados para o objetivo maior, que é a erradicação da miséria. A prática dos organizadores da manifestação tem sido marcada pelo compromisso com a construção de um país justo e democrático, que garanta vida digna para todos.
Quem luta por justiça e dignidade não quer a desunião. Desunir é não priorizar a implementação de políticas necessárias à reversão do quadro social do país. O que causa a desunião é a postura de uma elite insensível, que leva milhões de pessoas à marginalidade.
Temos plena consciência das dimensões dos problemas sociais no Brasil. Também não acreditamos em soluções mágicas. Mas não podemos considerar solução ações pontuais, localizadas, que não se constituem como políticas públicas democráticas e universais; nem admitimos que elas sejam usadas em propagandas enganosas, que tentam convencer as pessoas de que o social é prioridade para o governo.
Nenhuma pessoa ou instituição, isoladamente, é suficiente para apontar o caminho para tirar o Brasil dessa incômoda condição. Principalmente quando a vaidade é mais forte que a humildade necessária à compreensão de que as críticas também são importantes para a construção desse caminho.
O "Grito dos Excluídos", que deve acontecer em quase mil municípios brasileiros, só é organizado em função da existência da exclusão social. Sonhamos com um país onde não sejam mais necessárias manifestações como essa. Onde as pessoas possam cuidar dos seus dentes, para que não precisem de dentaduras. Um país verdadeiramente independente, cujos filhos não tenham que passar fome para alimentar a ganância dos credores externos.
Mas, enquanto não mudamos o país, deveríamos escutar esse grito todos os dias, principalmente hoje. É preciso que o presidente limpe os seus ouvidos entupidos pela sujeira da água da piscina palaciana e ouça o clamor desse mar de gente, provocado pelo abandono.

Texto Anterior: A política e os pobres na América Latina
Próximo Texto: Direitos do cidadão; Fila única; Erundina; Controle remoto; Saída preocupante; Importação; Jogo oficial; Crime; Decepção; Musa antiaborto; Aborto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.