São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 1997
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Cade, 35 anos

GESNER OLIVEIRA

Para a surpresa de muitos, que apenas há pouco tomaram conhecimento de sua existência, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) celebra hoje 35 anos.
A obscuridade do Cade durante tanto tempo não surpreende em um país que se industrializou sob forte intervenção estatal e protecionismo. A precocidade acabou legando uma jurisprudência administrativa inexistente em outros países latino-americanos.
A "Revista de Direito Econômico" narra casos interessantes. Alguns, anedóticos, revelam a manifestação de questões do consumidor apenas contempladas a partir da Constituição de 1988. Em 1985, por exemplo, há registro de denúncia contra uma loja que teria vendido sapato defeituoso.
Em contraste, identificam-se centenas de peças que encerram questões atuais, como abusos em contratos entre produtores e fornecedores e acordos de preços. Algumas suscitaram polêmicas, como a "guerra das garrafas", envolvendo distribuidores de refrigerantes no Rio Grande do Sul.
A mudança do modelo de desenvolvimento em direção a uma economia aberta e com menor intervenção haveria de reservar papel de crescente importância ao Cade. Contribuíram nesse sentido as gestões de Werter Faria (1986/90) e Ruy Coutinho (1991/96), que consistiram em um Cade mais atuante e fortalecido, com o advento da lei 8.884/94. A estabilização do Plano Real trouxe, por sua vez, a precondição para a reestruturação da economia, restabelecendo a noção de preço relativo para os consumidores e o ambiente favorável ao crédito e ao investimento.
O novo contexto coloca desafios formidáveis para o Cade. Em primeiro lugar, cumpre decidir em tempo econômico. O Cade julga atualmente 31,3 peças por mês, contra três por ano na década de 70. A simplificação de procedimentos permitiu reduzir o período de análise de atos de concentração. Algumas operações que demandavam mais de um ano para ser apreciadas têm sido resolvidas em menos de cem dias.
Embora os casos de abuso tenham tido menor visibilidade, representam 87% das peças julgadas pelo atual conselho. O fato de a maioria delas ter sido arquivada não diminui sua importância. Afinal, as prateleiras do Cade estão sendo esvaziadas de pendências administrativas que pesavam sobre as empresas, acarretando insegurança jurídica e desvalorização de ativos. Esse passivo está sendo liquidado em favor de uma ação criteriosa, capaz de reprimir com rigor o abuso, observando o devido processo legal.
Em segundo lugar, é preciso repensar a defesa da concorrência em um mundo globalizado. O Cade mantém contato com as principais agências mundiais. Os dados revelam uma posição flexível em relação às operações de concentração: das 72 julgadas desde a lei 8.884/94, houve só duas reprovações e três imposições de condições fortes.
Em terceiro, há que difundir a cultura da concorrência. Ainda é assustadora a ignorância da lei por parte do setor privado. Frequentemente, porém, as restrições ao funcionamento do mercado se originam em medidas do governo.
Tal empenho junto ao setor público se revela particularmente importante, dada a interação crescente entre a defesa da concorrência e a regulação. O excesso de regulamentação inibe a concorrência em alguns segmentos, como parece ser o caso da aviação civil; a falta dela, em contraste, prejudica os consumidores, como nos planos de saúde. Em vez de infrutífera disputa de competências, a interdependência entre concorrência e regulação pressupõe cooperação interinstitucional.
Essa ampla agenda exige recursos. Daí a otimização, pelo Cade, dos parcos meios disponíveis, mediante programas de qualidade total e gerência matricial. Destaque-se, além disso, a estratégia de parcerias com a sociedade civil; nesse sentido, foram selados 18 convênios com universidades e institutos de pesquisa, que se somam ao credenciamento para assistência técnica junto a organismos multilaterais. Por fim, um programa de formação capacitará 120 alunos neste ano, e o intercâmbio com as universidades já permitiu trazer ao Cade cem universitários.
Porém não há milagre. O cumprimento da lei requer mais recursos orçamentários. A dotação de R$ 1 milhão para 1997 é irrisória. Um gasto equivalente ao percentual do PIB que os EUA aplicam no setor corresponderia a cerca de R$ 20 milhões. A proposta original do Cade para 1998 era de R$ 7,4 milhões, tendo sido reduzida pelo projeto do Executivo para R$ 3 milhões (-62%).
Tais dificuldades não constituem novidade. Em 1980, o então presidente do Cade reclamava da falta de recursos, a despeito de comandar um corpo funcional seis vezes superior ao atual (360 contra 60). Mesmo assim, os quadros abnegados do Cade têm razões de sobra para celebrar a data. Especialmente na medida em que a virada do milênio lhes abre a oportunidade de preencher, sempre em parceria com a sociedade, o quesito indispensável de maturidade institucional para que o país desfrute dos benefícios da globalização.

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