São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
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Matusalém tenta se consagrar em decisão

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

Matusalém, 86 anos, agradeceu os aplausos e sentou-se na poltrona reservada para o controlador de eficiência. Ajustou o encosto e ligou o monitor da poltrona, onde programou as imagens e as estatísticas que queria rever da campanha das duas marcas -as palavras time, grupo, equipe, por remeterem a uma época pouco profissional, foram esquecidas.
Matusalém, naquela semana decisiva, havia passado dias exaustivos no laboratório genético da marca trabalhando nos exames de material colhidos em bebês, selecionando quem apresentava inequívocos sinais de aptidão para praticar esporte.
Não só os exames eram demorados e os diagnósticos difíceis. Havia toda uma operação para conseguir os lotes de bebês.
Como as marcas só conseguiam fazer dinheiro no primeiro contrato de cada agente -a palavra jogador, pela sua dose de acaso, também fora abandonada- elas adotaram uma ultra-agressiva estratégia de tentar contratar os agentes muito anos antes de eles conseguirem direcionar -chutar tinha uma dose de imprecisão insuportável- a esfera com os pés.
Com as pesquisas genéticas, os agentes chegavam à plenitude profissional entre os 15 e 20 anos; a velocidade média, a força na propulsão da esfera, a precisão na continuidade -quem se lembra da palavra passe?- aumentavam a cada campeonato (a palavra campeonato ficou porque as pesquisas instantâneas indicavam que os consumidores queriam a preservação de algumas tradições).
Para Matusalém a Fifa, tradicionalmente conservadora, andava cedendo demais aos profetas da modernização do futebol.
Em 2010 ela havia aceito que o gol originado por um direcionamento de fora da área valia um gol e meio; em 2026, aceitou que um objetivo (a antiga vitória) com três ou mais gols de diferença dava mais um ponto para a marca que atinge o objetivo e tirava um ponto da marca que não atinge o objetivo (um empate passou a ser conhecido como um "não objetivo duplo", ou, como preferiam os locutores de transmissões virtuais, um "o evento ficou sem objetivos").
Depois, as mudanças foram cada vez mais rápidas: 2038, uma série de cinco objetivos seguidos daria um ponto extra para a marca; 2044, marcas sem cartão amarelo ou vermelho durante cinco eventos (os antigos jogos ou partidas) seguidos também ganham um ponto de bonificação; 2050, posse da bola por mais tempo durante o evento dá meio gol para a marca; 2053, posse da bola mais tempo no ataque durante um evento dá outro meio gol; 2057, marca com maior índice de precisão na continuidade durante o campeonato recebe dois pontos de bonificação; 2060, melhor ataque do campeonato recebe cinco pontos de bonificação; 2063, menor déficit na balança de gols recebe 2 pontos de bonificação.
Matusalém está preocupado como os rumores de que a Fifa iria aprovar a quota de uma jogadora do sexo feminino por marca em cada evento (uma mulher que sai deve ser substituída por outra; se ela for expulsa, uma mulher deve entrar no lugar de outro jogador do sexo masculino).
Agora, no dia 23 de fevereiro de 2066, na final da Liga Mundial de futebol, Matusalém era o controlador de eficiência (o velho técnico, lembra-se?) de uma marca brasileira que faria uma parceria competitiva na grande final da Liga Mundial de Futebol contra uma marca argentina.
A vitória seria a consagração da carreira mais longa do futebol. Antes de o jogo começar, Matusalém se lembrou de que 25 mil dias antes, em 13 de setembro de 97, apesar do nome, ele era um ansioso moleque brasileiro no Egito que não conseguiu dormir de tensão enquanto aguardava a então chamada quarta-de-final do Brasil contra a Argentina, no Mundial sub-17, marcada para amanhã.

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