São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PC faz 'ginástica semântica'

JAIME SPITZCOVSKY
EDITOR DE EXTERIOR E CIÊNCIA

Assim como os mestres chineses da pintura em miniatura sobre porcelana, os dirigentes do PC da China mostram delicadeza e criatividade ao usar expressões do dicionário marxista para tentar explicar suas ofensivas capitalistas. No discurso de ontem, Jiang Zemin sacramenta sua condição de herdeiro de Deng Xiaoping ao misturar, como seu padrinho político, fórmulas de pura economia de mercado com vagas expressões de ortodoxia comunista.
Ou seja, o caminho é capitalista, mas as palavras ainda são tingidas em vermelho. Os ideólogos desse "leninismo de mercado", que mistura capitalismo com monopólio do poder nas mãos do PC, inventaram uma tese no 13º Congresso para azeitar a implantação do capitalismo, sem perder a pose de herdeiros de Mao Tse-tung, o líder da revolução de 1949.
Segundo a teoria apresentada em 1987, a China se encontraria ainda no "estágio primário do socialismo", o que permitiria ao PC recorrer, sem escrúpulos ideológicos, a qualquer mecanismo do antes combatido capitalismo. Os ideólogos chegaram até mesmo a tentar abrir caminho para futuras gerações de dirigentes do partido, calculando que essa fase poderia durar "até cem anos".
Li Junru, um dos atuais ideólogos do PC, classifica o projeto de privatizações de Jiang Zemin como a "terceira emancipação da mente". As outras "emancipações da mente" foram cunhadas por Deng Xiaoping, o pai dessa alquimia capitalismo-comunismo.
Em 1978, no início das reformas econômicas, Deng sentenciou: "Devemos buscar a verdade a partir dos fatos". Era a senha para o partido abandonar teorias marxistas ou maoístas e se debruçar sobre a tarefa de fazer a economia crescer. Cinco anos depois, o patriarca da China pós-Mao inventou a expressão "socialismo com características chinesas", mais uma ginástica semântica para tentar mascarar o caráter capitalista de uma economia vigiada pelo Partido Comunista.
Privatização
A "terceira emancipação da mente", para usar a expressão de Li Junru, significa a principal jogada de Jiang Zemin na tentativa de cravar sua marca na história moderna da China. As reformas deslanchadas por Deng correm o risco de descarrilar por causa do fardo representado pelos prejuízos gerados pela maioria das empresas estatais.
O discurso de Jiang, embora sinalize uma privatização ambiciosa, não revela detalhes desse plano de desestatização. Os tecnocratas do governo vão buscar caminhos para aumentar a competitividade do setor estatal, diminuindo-o, mas garantindo que o Partido Comunista continue a controlar os principais aspectos político-econômicos do país.
A privatização, por exemplo, não deve atingir empresas dos setores bancário, de transporte, de defesa, de telecomunicações e tecnologia avançada. A abertura de capital, com a venda de ações, deve atingir principalmente a indústria leve, produtora, por exemplo, dos brinquedos e tecidos que inundam mercados internacionais.
Jiang Zemin, ao anunciar a "terceira emancipação da mente", mostra se sentir politicamente fortalecido. As privatizações vão desembocar em demissões, num nível ainda indefinido, mas certamente vão agravar as tensões sociais de um país já sacudido por uma veloz transição ao capitalismo. Jiang Zemin se mostra disposto a correr o risco, em troca de um avanço das reformas. Ele vai precisar da mesma competência dos ginastas semânticos e dos mestres da pintura em miniatura sobre porcelana.

Texto Anterior: FRASES DE JIANG
Próximo Texto: Conheça o secretário-geral Jiang Zemin
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.