São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997
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O fim dos dinossauros

DA "NEW SCIENTIST"

Pergunte a qualquer pessoa por que os dinossauros acabaram, 65 milhões de anos atrás, e ela provavelmente dirá que foi por culpa de um asteróide. E por que não? É uma resposta dramática, e a imagem de um único e poderoso golpe pondo fim àqueles "lagartos terríveis" de uma só vez é quase irresistível. Mas será que pode ter sido assim tão simples, na realidade? Teria um simples asteróide conseguido exterminar 65% das espécies da Terra?
A teoria do impacto encontrou ampla receptividade desde que foi proposta, em 1980, por Luis Alvarez, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Onze anos mais tarde, a descoberta de que a gigantesca cratera de Chicxulub, na península de Yucatán, no México, datava exatamente da época certa reforçou ainda mais a tese dos "catastrofistas".
Apesar disso, porém, a visão dos catastrofistas está longe de ser universalmente aceita. Para um grupo de cientistas, está repleta de falhas. "Seja o que for que exterminou os dinossauros não aviculares, foi algo bem mais complexo do que uma única martelada desferida por um asteróide", diz Norman MacLeod, do Museu de História Natural de Londres, um dos principais adversários dos catastrofistas.
Alguns cientistas alegam, por exemplo, que não se tem certeza nenhuma de que o impacto tenha coincidido com o fim do Cretáceo e o início do Terciário (K/T), que foi quando os dinossauros se extinguiram.
Ademais, quando Alvarez primeiro propôs a teoria do asteróide, a evidência principal na qual se baseou para isso foi uma camada global de irídio encontrada exatamente no limite K/T. O irídio é raro na superfície da Terra, mas é encontro com mais abundância no espaço aumentando a probabilidade do asteróide como causa. No entanto, existem explicações alternativas, tanto cósmicas quanto terrestres, que MacLeod e outros cientistas da escola "gradualista" acreditam ser igualmente capazes de dar conta da presença do irídio.
Segundo a perspectiva deles, o golpe de misericórdia final desferido contra os dinossauros no limite K/T oi precedido por um longo período de declínio. Assim, as duas visões são bem diferentes: segundo uma, o fim teria sido rápido e fatal, segundo a outra, lento e fatal. Mas, em última análise, ambas precisam basear-se na evidência mais importante: o registro fóssil. Segundo Peter Sheehan, do Museu Milwauke de Wisconsin, ele próprio catastrofista declarado, "a comunidade científica está rachada ao meio sobre essa questão. Baseados nos mesmos dados, alcançamos conclusões muito diferentes".
Não chega a surpreender que isso aconteça. O registro fóssil é escasso, difícil de interpretar e revela um cenário de extinção extraordinariamente complexo no final do Cretáceo. Muitos grupos de seres vivos chegaram ao fim nessa época, além dos dinossauros, enquanto outros passaram por ela inteiramente incólumes.
Mas, segundo MacLeod, muitas famílias de dinossauros já vinham diminuindo havia milhões de anos antes de desaparecerem por completo. Outras criaturas -por exemplo, dois grupos importantes de moluscos- se extinguiram por completo mais de um milhão de anos antes do limite K/T, diz ele.
Os catastrofistas têm outra opinião. Sheehan admite que os moluscos acabaram cedo, mas argumenta que isso não teve nenhuma relação com a posterior extinção dos dinossauros. "Vejo muito pouco no registro que destoe da extinção catastrófica", diz ele. Dale Russell, da Universidade Estadual de Carolina do Norte, é da mesma opinião. Embora admita que alguns grupos de dinossauros tenham, aparentemente, chegado ao fim nos últimos 2 milhões de anos do Cretáceo, ele acredita que esse tenha sido um efeito local, restrito à América do Norte continental, onde um grande mar interior também estava encolhendo na mesma época.
Gerta Keller, paleontóloga da Universidade Princeton, é gradualista convicta, mas baseia suas teorias não em ossadas de dinossauros, mas em microfósseis. Surpreendentemente poucas ossadas de dinossauros foram encontradas até hoje -apenas 3.000 fósseis-, representam um período de 150 milhões de anos. Mas os microfósseis dos quais Keller fala, resquícios de seres minúsculos que também se extinguiram em massa, são muito mais abundantes. Ela constatou que os microfósseis mais afetados pelas extinções começaram a morrer mais de 100 mil anos antes da divisa K/T.
Assim, o quadro geral é bastante incerto. Mas o que fica claro é que, até hoje, a alternativa gradualista à teoria do impacto foi muito menos explorada do que esta. Ninguém duvida que o impacto de um asteróide enorme teria representado uma má notícia para a vida na Terra. Mas, para muitos, tal impacto não é a causa da maioria das extinções, e sim um acontecimento muito secundário.
Poira sufocante
Qual teria, então, sido o acontecimento principal? Há possibilidades tanto terrestres quanto extraterrestres. Anthony Allen, da Universidade de Londres, e Shin Yabushita, da Universidade de Kyoto, no Japão, apostam na explicação extraterrestre. Eles argumentam que as extinções ocorridas no Cretáceo se deram quando o Sistema Solar passou pelo núcleo denso de uma nuvem molecular gigantesca (NMG).
As estrelas como o Sol nascem dessas nuvens massivas de gás frio. Uma NMG típica pode conter a massa de um milhão de sóis sob a forma de poeira e gases moleculares, principalmente hidrogênio. Segundo Yabushita e Allen, é inevitável que o Sol de vez em quando atravesse as margens de uma dessas nuvens, em seu percurso pela galáxia. Um encontro desse tipo pode levar um milhão de anos, porque as NMGs podem ter vários anos-luz de largura.
Enquanto estivesse passando fora, a poeira vindo destas nuvens se acumularia na atmosfera da Terra, onde refletiria a luz solar de volta ao espaço, provocando um resfriamento forte no planeta. Ao mesmo tempo, a gravidade da NMG agitaria a reserva de cometas do Sol, conhecida como nuvem de Oort, que orbita muito além de Plutão. Isso, por sua vez, faria com que muito mais cometas do que o normal fossem em direção ao Sol, onde representariam uma ameaça à vida na Terra. Allen acredita que tais acontecimentos podem explicar várias das extinções em massa que aconteceram no decorrer do tempo.
Supervulcanismo
Os modelos extraterrestres são soluções convincentes ao dilema da extinção dos dinossauros. Mas MacLeod acredita que um acontecimento igualmente dramático, mas originando a própria Terra, tenha precipitado as extinções maciças do Cretáceo: o supervulcanismo.
O Trape de Deccan, um planalto imenso no sul da India, foi criado no decorrer de alguns milhões de anos no final do Cretáceo, quando cerca de 1 milhão de metros cúbicos de lava jorrou sobre a superfície da Terra. Nenhuma erupção na história registrada do mundo teve um milésimo dessas dimensões. A erupção foi severa, sem dúvida alguma. "O estresse imposto ao meio ambiente teria sido fenomenal, diz Andrew Kerr, da Universidadede Leicester. "É inacreditável que os proponentes do impacto do asteróide consigam ignorar tudo isso." Uma explosão muito semelhante de supervulcanismo, responsável pes Trapes da Sibéria, coincidiu com a maior de todas as extinções e massa, a extinção permitriássica, que aconteceu há cerca de 250 milhões de anos. "Ela envolveu possivelmente até 95% de todas as espécies, comparadas com as 65% da divisa K/T", diz Kerr. "E há poucas evidências de que tenha ocorrido um impacto de asteróide nessa época."
Segundo McLean, quando a temperatura do ar se eleva, os animais adultos se resfriam, desviando sangue para a superfície de sua pele. Isso reduz o fluxo de sangue ao oviduto e ao útero, onde ocorre o desenvolvimento embrionário.
Isso é importante porque o fluxo de sangue uterino desvia o calor prejudicial da região do útero e leva nutrientes ao embrião em desenvolvimento. "Os embriões de vaca morrem se a temperatura do oviduto se eleva em apenas um a 1,5 graus centígrados acima da temperatura ótima, durante a primeira divisão do óvulo fertilizado -um dia após a inseminação", diz McLean. McLean diz que, durante o rápido aquecimento por efeito estufa provocado pelo supervulcanismo no final o Cretáceo, o processo de desviar o sangue dos ovidutos em direção à pele, nas dinossauras fêmeas, teria levado seus ovidutos a se aquecerem acima da temperatura ótima, matando ou prejudicando os embriões.
Competir com uma idéia tão atrativa como a dos catastrofistas deixa os gradualistas com uma tarefa árdua. E o registro dos fósseis é suficientemente complicado para que o problema permaneça sem solução por algum tempo. "Eu não estou mudando minha posição e Norm (MacLeod) não está mudando a sua", diz Sheehan. Se algo sacudiu os dinossauros, podemos apenas esperar que ao menos por enquanto isso não volte a acontecer.

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