São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997
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Em busca do Cruzeiro do Sul

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O comportamento evasivo e desinteressado de Faulkner em São Paulo começou a preocupar os representantes do governo norte-americano. O escritor teria vindo ao Brasil, segundo seu biógrafo Joseph Blotner, como "agente" de um esforço de reconciliação dos norte-americanos com a intelectualidade brasileira, descontente com a recusa de um visto de entrada nos EUA para o romancista José Lins do Rego.
Foi marcada então uma entrevista coletiva para quarta-feira, dia 11. Membros do consulado pediram a Osmar Pimentel, que servia de cicerone para Faulkner, que o convencesse a não cancelar mais este compromisso.
Em conversa no Esplanada, o escritor disse a Pimentel que passava por um momento de "profunda depressão", em consequência do casamento de sua filha, Jill, que aconteceria dia 21. Achava que não se acostumaria com sua ausência.
Antes da entrevista -que, afinal, foi realizada (leia abaixo)-, o escritor quis visitar o Museu de Arte de São Paulo, na rua 7 de abril (e depois transferido para a av. Paulista). Após ver alguns quadros do acervo, e se interessar por Portinari, reclamou de dores terríveis nas costas. Contou que tinha um ferimento da Primeira Guerra que sempre lhe provocava essa aflição -embora seu biógrafo negue que tenha combatido. Pediu para se deitar no chão. Só levantou-se depois que Flavio Motta, diretor do museu, lhe ofereceu um generoso "scotch".
Ao lado de Motta e Pimentel, estava o crítico Mário da Silva Brito, hoje com 81 anos: "Faulkner se deitou não apenas no museu, mas em vários outros lugares. Não, as dores não eram uma desculpa para ele continuar bebendo. Na verdade, não precisava de desculpa nenhuma para isso. E, naquele tempo, todos nós bebíamos muito".
Silva Brito foi também testemunha do encontro entre a escritora Lygia Fagundes Telles e Faulkner, que se encantou com a beleza dos olhos dela. "Eu lhe disse: 'Deixe-me apresentar a você uma contista brasileira'±", conta Silva Brito. "Faulkner olhou para Lygia, e falou: 'Se os seus contos forem tão bonitos quanto os seus olhos, a senhora certamente é uma grande escritora'±".
Lygia se recorda do episódio, e também do dia em que acompanhou Faulkner ao Instituto Butantã, para ver cobras.
"Segurava as cobras e gritava: 'Sou um fazendeiro, um fazendeiro'. Ele chegou meio fora de órbita a São Paulo. Queria ver cobras e o Cruzeiro do Sul. Um dia, pegou-me pelo braço e apontou para o céu, querendo ver as estrelas. Ficou doido com essa história de Cruzeiro do Sul. E estava sempre com o cabelo molhado. Creio que se molhava para ficar desperto, devido ao excesso de álcool. Não era um homem bonito. Era baixo, mas tinha um rosto muito forte".
Lygia acompanhou o escritor uma segunda vez, em uma audiência com o governador do Estado, Lucas Nogueira Garcez. "Ele sempre obedecia à gente, aquela pequena comitiva que o acompanhava. Ia para cima e para baixo."
Para a audiência com o governador, Faulkner teve que esperar muito até ser recebido. Antes do escritor, Nogueira Garcez preferiu atender um grupo de plantadores de milho.
Depois de uma tarde de autógrafos no Esplanada, uma palestra para jovens poetas e visitas ao Jockey Club e a fazendas (onde pesquisou o preço da terra e as formas de plantio), William Faulkner voltou para os Estados Unidos, numa tarde de sábado, dia 14 de agosto. Para confortá-lo no retorno, levou consigo, como presente dos brasileiros, uma garrafa de pinga.
Dias depois, Lygia Fagundes Telles recebeu um telefonema da gerência do Esplanada Hotel. Alguém lhe avisava que "o escritor" havia esquecido uma sacola no bar do hotel.
Na bolsa xadrez de cores amarelo e vermelho, Lygia encontrou vários livros que autores brasileiros tinham dado a Faulkner. "Ele não sabia nada da língua portuguesa", diz ela. "Aquela sacola de livros seria um peso inútil para ele."
Os livros, Lygia doou para a Biblioteca Municipal. Hoje, lamenta não ter guardado a relíquia: a bolsa xadrez. Que foi parar nas mãos de sua empregada. "A mocinha precisava de uma sacola para viajar até Americana, no interior de São Paulo."
Faulkner deixou ainda um pequeno bilhete, escrito no papel timbrado do Esplanada, que a imprensa chamou de "uma mensagem aos paulistas" (leia nesta pág.). Em poucas palavras tentava dar conta de sua permanência no Brasil. Dizia que encontrou um lugar muito diferente do que esperava. Imaginava o Brasil um país de "meia idade" e encontrou uma "cidade dinâmica". Achava que chegaria como um "forasteiro" e espantou-se com a hospitalidade. Aos jornalistas e conhecidos, prometeu voltar em três meses. Não cumpriu a promessa.
(MR)

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