São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997 |
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Leia a entrevista do escritor em SP em 1954
CARLOS FREITAS
Já começavam a correr os mais variados comentários e opiniões sobre a personalidade do detentor do Prêmio Nobel de Literatura de 1950, e sua tremenda sinceridade fez com que os mais apressados formassem juízos falsos sobre sua cultura e predileções literárias. Faulkner não gosta de falar de literatura, formalmente, na convivência com escritores e jornalistas, em reuniões literárias. Não gosta de ser "sabatinado". De responder a perguntas arranjadinhas que dão a impressão de ter sido higienizadas. Mas lhe agrada falar aos escritores e poetas novos, com sinceridade e simpatia humana. Suas melhores palavras são para os moços, que ele julga mais próximos da verdade do que os velhos. Porque os novos -diz- "têm forças para realizar o trabalho que sua época exige deles, e os velhos, ainda que queiram fazer alguma coisa, nem sempre podem". Todos querem fazer a sua pergunta: - Qual é a fórmula que um escritor novo deve seguir para alcançar êxito? - "Trabalhar muito e não pensar na glória e na sua importância." - E para quem trabalha muito e não pensa na glória? - "Trabalhar muito e não desprezar a verdade. Um escritor novo deve dizer a verdade tão bem quanto lhe seja possível!" Faulkner se empolga, quando fala da verdade. Ele o faz como uma força que impressiona. Mas há outras perguntas: - O sr. escreve diariamente ou costuma produzir quando sente vontade de fazê-lo? - "Escrevo quando tenho vontade. Não o faço diariamente, mas costumo trazer lápis e papel comigo. Muitas vezes, andando a cavalo, trabalhando na fazenda ou caminhando na rua, sinto vontade de escrever e então começo a trabalhar. Outras vezes escrevo à noite, começo e vou até altas horas da madrugada. Tenho escrito livros inteiros em duas ou três semanas: outros, como o último que se chama "Uma Fábula", saem demoradamente. Esse livro foi escrito em nove anos de trabalho." - E está contente com ele? - "Não, acho que fracassei. Agora vejo que não pude fazer o que queria, mas penso que meu próximo livro será muito bom." - Já sentiu alguma vez que tinha fracassado? - "Muitas vezes. E é isso que me entusiasma para prosseguir. Os fracassos me dão força para continuar tentando, reagindo, trabalhando." - O que foi que lhe deu maior satisfação, a fazenda ou a literatura? - "A literatura, minha obra, embora goste muito da fazenda." - E qual lhe dá mais dinheiro? - "Não posso responder, porque só penso em dinheiro quando estou precisando dele." - Tem alguma regra de criação ou de trabalho? - "A única coisa que sigo mais ou menos como regra é nunca escrever até ficar esgotado. Sempre paro de escrever quando ainda tenho alguma coisa para dizer." - Se não fosse escritor, que gostaria de ser? - "Sinto-me muito bem como escritor. Nunca pensei em ser outra coisa... mas creio que gostaria de ser um grande poeta." - Qual é a seu ver o maior escritor moderno dos Estados Unidos? - "O jovem Shelby Foot, de Mississippi." - O sr. gosta de Truman Capote?" - "Truman Capote me deixa nervoso, por isso não o leio." - Com que espécie de tempo gosta de escrever? - "Com o calor. Quando meu sangue começa a ferver, as idéias também fervem e então começo a passá-las para o papel." A conversa agora ganha uma certa intimidade. O escritor fez algumas confissões, sempre muito sinceras e sem pose. Responde a tudo em tom de conversa amistosa. Diz que vivemos numa época ingrata para escrever. O escritor está sujeito a muitas pressões, por culpa da demasiada materialização da vida. Esta é a era da máquina e tudo tende a maquinizar-se. Fala-se de leituras, e o autor de "O Santuário" informa que os velhos em geral lêem menos. Já leu muito no passado, mas agora suas leituras são poucas. Um livro que é para ele uma espécie de bíblia é o "Don Quixote". - E o que mais impressionou em São Paulo, como novidade? O escritor responde que gostou muito de camarão à baiana, do vinho nacional e que vai provar uma feijoada amanhã ou depois. Quando chegou a São Paulo foi acometido de velhas dores provocadas por um ferimento de guerra, em 1914, e muita canseira da viagem. Só agora poderá sair, visitar a cidade, ir a uma fazenda de café, tomar uma batidinha de limão, ver coisas. E assim acaba a entrevista com esse homem tremendamente simples e sincero, que construiu uma das maiores obras da literatura universal. Ao se despedir do grupo, William Faulkner se levanta e aperta a mão de cada um. Tem mãos grossas, de camponês. Até isso é verdadeiro nele. Texto Anterior: Em busca do Cruzeiro do Sul Próximo Texto: Sob a sombra de James Joyce Índice |
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