São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997
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O último elefante

ANA LUCIA BUSCH

Após quase duas décadas de isolamento, o Laos começa a abrir suas portas para o turismo -uma oportunidade sem paralelos para quem pretende vislumbrar a atmosfera da antiga Indochina. Fortemente bombardeada durante a Guerra do Vietnã, a "Terra de Milhões de Elefantes" -como a região era conhecida há seis séculos- ainda mantém exotismo capaz de torná-la, sem exageros, um dos pontos altos de viagens ao Sudeste Asiático. Monges com vestimentas cor de açafrão, vastos arrozais e o sincretismo entre a arquitetura francesa e as construções tradicionais desta ponta da Ásia criam um cenário único, ainda praticamente intocado.
Turismo, turistas, dólares e compras. Acostumado a uma calmaria capaz de causar estranhamento ao viajante recém-chegado, por exemplo, de Bancoc, o povo laociano ainda busca acomodação a esses e outros conceitos distantes de sua realidade recente e se diverte às custas da presença cada vez maior dos "elefantes brancos" -referência comum aos europeus de pele clara e altura bastante superior à média.
Um dos países menos desenvolvidos e mais enigmáticos do sudeste asiático, o Laos reconhece nos estrangeiros motivo de riso e curiosidade e nos cobiçados dólares, uma saída para as precárias condições de vida da população média.
Em aldeias no interior, onde há pouca gente além dos nativos, não surpreende que ocidentais sejam considerados verdadeiros alienígenas, alvo fácil de beliscões e capazes de provocar choro nas crianças.
Mas é justamente essa completa ausência da interferência estrangeira que mantém o charme influenciado pela cultura francesa da época colonial e o exotismo sem paralelos da vida tradicional permeada pelo budismo em todas as suas instâncias.
Seja na capital Vientiane ou em pequenas cidades no interior, imensos arrozais convivem com riquíssimos templos e uma arquitetura colonial única, com remanescentes do que foi a Indochina -reunião dos ex-protetorados franceses Vietnam e Camboja, a que o Laos se juntou oficialmente em 1893, como um membro menos interessante do ponto de vista econômico.
À época da colonização francesa, percebeu-se que o rio Mekong, que percorre 1.800 km ao longo do país, não é navegável em muitos trechos, e o Laos não tem reservas de metais preciosos. Com terreno montanhoso, oferece pouco espaço para uma agricultura mais moderna.
Hoje, enquanto o Camboja sofre com fortes divisões internas, e o Vietnam vem se tornando um país cada vez mais industrializado, o Laos parece satisfeito em manter-se alheio às influências da vida moderna, enquanto tenta transformar-se no país mais estável da região, mesmo com uma economia discreta, baseada na agricultura de subsistência.
Para completar um quadro que permita compreender a atualidade no Laos, some-se a isso a onipresença das imagens de uma guerra que oficialmente não aconteceu -de campos minados e crateras que lembram a superfície da Lua a vasos de flores e casas construídos sobre destroços de bombas.
Embora não-envolvido diretamente na Guerra do Vietnã, o país foi fortemente atacado em suas fronteiras e recebeu carregamentos de bombas despejados de aviões que sobrevoavam seu território.
Isso lhe rendeu o título pouco engrandecedor de país mais bombardeado da história das guerras modernas e uma ajuda internacional de cerca de US$ 2 milhões somente este ano para o esforço de "desminagem" (retirada de minas).
Calcula-se que tenha sido alvo de 150 mil mísseis e de cerca de 2 milhões de toneladas de bombas. Um dos maiores símbolos desse período, a pequena aldeia de Ban Apa, ao norte da capital, construiu boa parte de suas casas suspensas sobre pilotis que aproveitam carcaças de bombas.
O sítio arqueológico conhecido como Planície dos Jarros também assusta ao remeter a um imaginário de guerra.
A 4,5 km da pequena cidade de Phonsavan, acessível apenas por meio de um antigo aeroporto militar, a trilha que conduz aos jarros de origem desconhecida com até 3 m de diâmetro, só deve ser percorrida com um guia local. Grupos de "desminagem" ainda trabalham na área, e é possível ver, dentro dos vasos, algumas das milhares de minas ainda não-detonadas na região.
Os tours mais comuns conduzem também a uma caverna onde cerca de 400 pessoas morreram após terem sido bombardeadas supostamente por um avião norte-americano. Há crânios e ossos propositalmente espalhados pelo chão.
Apesar disso, vai se surpreender quem espera um clima desolado no país ou um povo abatido pelas tragédias.
Por todos os lugares circulam, misturados a uma sorridente população, monges e noviços budistas ávidos por exercitar seu às vezes bom inglês, aprendido nos monastérios. Ansiosos por saber mais sobre o ocidente, acabam sendo uma porta de entrada para um bom chá da tarde ou outras cerimônias reservadas.
A cidade de Luang Prabang, a 140 km da capital, resume de modo singular a simpatia da população e a beleza do país. Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, a cidade de 16 mil habitantes ostentou, até 1975, o título de capital real.
Hoje ainda conserva 32 dos 66 templos ou wats (na língua local) existentes antes da colonização francesa.
Situada entre os rios Mekong e Khan, é a mais bela cidade do Laos, com poucas concessões ao estilo do século 20. Os horários de rush resumem-se à saída de estudantes das escolas com suas bicicletas se misturando ao pequeno tráfego de tuk-tuks -motos adaptadas para receber uma pequena carroceria, usadas no transporte de passageiros.
Seja no belíssimo Wat Xieng Thong, às margens do Mekong nas escadarias do Wat Pha Baat Tai, ou na montanha Phu Si, que oferece visão privilegiada da cidade, o pôr do sol vira atração turística, capaz de rivalizar com templos, pequenas aldeias de camponeses e tribos pelos arredores ou mercados que permitem conhecer mais de perto a vida cotidiana.
Por todos os lados, os alegre habitantes, em especial crianças, formam filas ao redor dos turistas repetindo à exaustão o cumprimento local: SaBayDii (uma espécie de "oi").
De qualquer modo, há restrições e dificuldades de locomoção pelo país. O regime comunista implantado em 1975 criou uma legião de dissidentes, muitos deles hoje na Tailândia. Órgãos oficiais do governo desaconselham viagens por terra ou barco, temendo eventuais ações de guerrilha -que poderiam desgastar o esforço de aproximação com o ocidente.
Também há problemas com membros da tribo Hmong, habitantes das montanhas no interior do país, que sonham criar um território independente.
Como alternativa única para uma viagem considerada segura, a Lao Aviation com sua frota de aviões chineses, na linha dos russos Antonov, conecta praticamente todas as maiores cidades por preços relativamente baixos.
Com tudo isso, o Laos ainda mantém o ambiente descrito pelo pesquisador francês Henri Mouhout, um dos primeiros viajantes a percorrer e a produzir descrições detalhadas da Indochina.
Em meados do século passado, Mouhout escreveu: "as vilas consistem de poucas cabanas, e as condições sanitárias são lamentáveis (...). A profunda tranquilidade das florestas e a viçosa vegetação tropical são indescritíveis e, à meia-noite, me impressionam muito."
Mais de 150 anos depois, a capital Vientiane se orgulha da melhoria em sua infra-estrutura, visível a cada esquina, mas ainda impressiona, não só pela sucessão interminável de templos, como pela presença constante de vacas, deitadas sem cerimônia pelas principais ruas.
Paradoxalmente, a cidade parece ter se esforçado na aproximação aos modelos europeus. Há bulevares de aspecto parisiense, com direito até mesmo a um "Arco do Triunfo", formando uma estranha mistura de arquitetura neo-colonial e influência oriental, ao final da larga avenida Lane Xang.
A despeito disso, a maior prova de que os franceses estiveram lá são as excelentes baguetes recém-saídas do forno vendidas em barracas e pequenas confeitarias pelas ruas. Acompanhadas de patês, oferecem estranha e saborosa combinação com garrafas de Beer Lao, a cerveja local.
Os traços da história mais recente surgem muito claros em uma visita ao Museu Revolucionário do Laos. Centenas de imagens e objetos mostram a saga do "povo lao" em sua luta contra os "imperialistas norte-americanos".
Mas o melhor ângulo de aproximação com o dia-a-dia da população surge nos vívidos mercados, na capital e no interior, onde antiquidades e imitações dividem espaço com tudo o que se pode comer nessa terra. Baratas, ratos e até mesmo pequenos tigres comercializados a US$ 6 causam certa repulsa à primeira vista e podem tirar o apetite, mesmo diante dos cardápios mais refinados.
Seria exagero afirmar que existe uma infra-estrutura turística no país, que recebe menos de 20 mil estrangeiros por ano. Mas alguns bons hotéis, comida e vinhos franceses de boa qualidade e um serviço bancário e de comércio que aceitam as principais moedas e cartões de crédito permitem uma viagem tranquila.
Esperar por uma melhoria nos transportes ou por uma abertura política mais ampla, significa abrir mão do que o país tem de mais rico -sua tradição.
Visto é difícil
Chegar ao Laos vale a pena, mas exige algum esforço. O país não mantém embaixada no Brasil, o que torna complicada a obtenção do visto obrigatório antes da partida.
Desde julho, tornou-se possível conseguir o visto por US$ 50 no Aeroporto de Wattay, em Vientiane, ou na Ponte da Amizade sobre o rio Mekong, na fronteira entre Tailândia e Laos. Nos dois casos, as autoridades locais costumam ser bastante exigentes.
Quem preferir chegar com a garantia da entrada, pode tentar obter o visto através de agências de turismo. Como não há vôos diretos para o Laos partindo do Brasil, da Europa ou dos EUA, o melhor é aproveitar uma passagem obrigatória pela Tailândia ou pelo Vietnã para resolver o problema. O trâmite pode levar de três a quatro dias.
Os vistos são válidos por 15 dias, podendo ser estendidos por mais 15.
A melhor época para visitar o país é entre dezembro e abril, quando o clima está seco e as temperaturas médias ficam próximas aos 30°C.
Na Internet
http://www.asiatravel.com/index.html - a agência especializada em Asia tem dados gerais sobre o país e dá informação sobre obtenção de vistos por e-mail.
http://www-students.unisg.ch/~pgeiser/- além de informações sobre história e geografia do país, locais turísticos e transportes, traz lista de guias e outros livros de interesse.
http://www.lonelyplanet.com.au/dest/sea/laos.htm - site do guia australiano Lonely Planet, com fotos das principais atrações e link que dá acesso a comentários de turistas que visitaram o país.
http://www.search.cnn.com/ - por meio do serviço de busca da CNN é possível obter informações recentes sobre o país.
http://www.city.net/countries/laos/ - traz informações gerais sobre reservas de carro, aviões e hoteis, além de dados sobre cultura e turismo.

ONDE ENCONTRAR Pela Air France, São Paulo-Vientiane, com conexões em Paris e Bancoc, embarque até 10 de dezembro, e permanência mínima de dez dias e máxima de três meses: US$ 2.085 (com desconto). Pela Lufthansa, com conexões em Frankfurt e Bangoc, com permanência mínima de dez dias e máxima de um mês: US$ 1.990 (com 15% de desconto).

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