São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Ouvir o outro lado

LUÍS NASSIF

Ouvir o outro lado é muito mais que isso. É entender as razões de todas as partes e saber reproduzi-las com competência e isenção.
Não nos cabe, enquanto jornalistas, selecionar os argumentos que melhor se coadunem com nosso padrão mental de análise do episódio em questão.
Cabe-nos reproduzir cada argumento, da maneira mais competente e isenta possível. Depois, até nos é facultado opinar, mas desde que todos os argumentos estejam plenamente expostos, para permitir ao leitor, inclusive, discordar da conclusão, com base nas informações contidas na própria matéria.
Obviamente, não é fácil. Para exercitar esse estilo, há a necessidade de um padrão técnico de julgamento muito mais sofisticado que o branco-e-preto que caracteriza a cobertura convencional.
Além disso, cada argumento consistente da parte contrária pode diluir o impacto da manchete, enfraquecer o slogan. O raciocínio, por vezes, é o antídoto da emoção. No entanto, é a única fórmula para se escapar do estilo pasquinesco que ainda domina parte do exercício jornalístico, e permitir ao jornalismo brasileiro entrar na era moderna.
Vício cultural
Não é tarefa fácil, por que, a rigor, não se trata de vício meramente jornalístico, mas de padrão mental que afeta toda a intelectualidade brasileira -a partir das próprias universidades.
Na longa batalha pela modernização do país, esse tipo de raciocínio monofásico se constitui um dos pilares básicos da velha ordem colonial, a ser desbastado para permitir o surgimento do novo.
Há um novo mundo pela frente. Todos admitem que se abrem enormes potencialidades mas enormes riscos. Fora isso, a rigor, existem poucas certezas.
Ao garantir que a geração de empregos será automática, após a modernização tecnológica, os "modernos" agem movidos pela fé, não por princípios científicos. O mesmo ocorre com os "conservadores" que prevêem o fim do mundo a cada três dias e meio.
Ao julgar que o mercado resolve tudo, os "liberais" fecham os olhos a toda forma de controle moderno do mercado. Ao defender controles burocráticos sobre o mercado, os "autárquicos" se esquecem que tudo foi tentado e falhou nessa direção.
A verdadeira ciência pressupõe a busca dos fatos, onde estiverem, sem as limitações das posições preconcebidas. Só assim se chegará a sínteses virtuosas, que permitam a construção de um país melhor.
De qualquer modo, à medida que a opinião pública vai se dando conta que essas conclusões taxativas, maniqueístas, definitivas, raivosas ou eufóricas, ufanistas ou pessimistas, mas sempre indignadas, indignadas, cansativamente indignadas, são apenas uma forma glamourizada de não pensar, muda-se o padrão.
É questão de tempo para que sobrevenha o amadurecimento.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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