São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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IRA ameaça novo diálogo de paz

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BELFAST

Começam hoje, no castelo de Stormont, em Belfast, as negociações em torno de um acordo político para a Irlanda do Norte.
As conversas, das quais participarão os governos do Reino Unido e da República da Irlanda, representantes do Sinn Fein (braço político do IRA) e dos grupos protestantes unionistas, foram marcadas por iniciativa do novo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, do Partido Trabalhista, e devem continuar até maio de 98.
Todo o processo de negociações pode fracassar, no entanto, por causa de uma entrevista com um porta-voz do IRA (Exército Republicano Irlandês), publicada pela revista "An Phoblacht", de Belfast, na última quinta-feira.
Na entrevista, o porta-voz não-identificado diz que o grupo terrorista republicano não entregará qualquer armamento enquanto não for fechado um acordo político definitivo para a região. "Desarmamento, agora, seria o mesmo que rendição", afirmou.
O primeiro-ministro britânico Tony Blair havia proposto que as armas do IRA, assim como dos grupos paramilitares protestantes, fossem sendo entregues à medida que as negociações avançassem.
O IRA também descartou a proposta de realização de um referendo na Irlanda do Norte para decidir se a região deve ou não continuar sob domínio britânico. A sugestão deve ser feita pelos governos britânico e irlandês.
A maioria dos habitantes da Irlanda do Norte é protestante e, provavelmente, votaria pela continuidade da união com o Reino Unido. O IRA e o Sinn Fein defendem que a consulta popular aconteça tanto na Irlanda do Norte quanto na República da Irlanda, onde a maioria é católica.
A entrevista causou surpresa porque dois dias o Sinn Fein havia assinado uma declaração de princípios na qual renunciava à violência e se comprometia a recorrer apenas a métodos democráticos na luta pelo fim do domínio britânico sobre a Irlanda do Norte.
"IRA e Sinn Fein são a mesma organização. Com esta última declaração do IRA, eles querem confundir a situação, o que é muito característico do movimento republicano", disse à Folha o professor Paul Wilkinson, da Universidade St. Andrews (Escócia), especialista em terrorismo internacional.
"A intenção dos republicanos é afastar os unionistas das negociações de paz", escreveu o cientista político Paul Bew, da Universidade de Belfast, no jornal inglês "The Guardian".
Unionistas são os protestantes da Irlanda do Norte, que querem que a região continue a fazer parte do Reino Unido. Eles se organizam em diversos partidos e também em grupos paramilitares.
Já os católicos desejam o fim do domínio britânico e a união da Irlanda do Norte com a vizinha República da Irlanda. Sua principal organização é o IRA (Exército Republicano Irlandês), cujo braço político é o Sinn Fein.
Juntos, esses grupos paramilitares provocaram a morte de mais de 3.500 mortos na Irlanda do Norte e no Reino Unido desde 1969.
As negociações de paz vinham sendo vistas como um acontecimento inédito na história da Irlanda do Norte, a região mais pobre, dividida e conturbada do Reino Unido.
"Trata-se de uma oportunidade histórica", afirmou o ex-senador norte-americano George Mitchell, que coordenará as negociações.
A declaração do IRA tende a afastar os protestantes da mesa de negociações. Para eles, os líderes do Sinn Fein são "terroristas" e a renúncia à violência por parte dos republicanos, uma "farsa".
Os unionistas queriam que o IRA começasse a se desarmar antes do início das negociações de paz, como prova de suas intenções. Agora, após as últimas declarações do grupo terrorista, eles defendem o afastamento do Sinn Fein da mesa de negociações.

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