São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Cada arquiteto segue o seu caminho"

SILVIO CIOFFI

continuação da pág. anterior
"Era a nossa arquitetura influindo no velho mestre Le Corbusier. Como disse seu amigo Ozenfant num livro de memórias, 'Corbusier, que durante anos louvou o ângulo reto, passou agora a desprezá-lo, seguindo uma arquitetura que vinha de fora com muito talento'. Na arquitetura que fazemos, a curva aparece com mais frequência. É o próprio concreto armado que a isso nos leva. E a técnica do vão maior é muito mais usada. Essa imposição é tão antiga que foi usada no palácio dos Doges, em Veneza, onde há um vão inteiramente livre."
O DINHEIRO - "Quando fui para o exterior, na época da ditadura, tive os melhores contatos. Malraux conseguiu com De Gaulle um decreto que me permite até hoje trabalhar na França. Ficou meu amigo e um dia, sabendo que Le Corbusier dissera que eu tinha nos olhos as montanhas do Rio, comentou: 'Não é só isso, você deve ser como eu, que tenho no meu museu particular tudo que vi e amei na vida.' Ganhei dinheiro no exterior, mas gastei tudo. Gostava de levar amigos que nunca poderiam ter feito tais viagens. Divido o que ganho como se meu dinheiro a muitos pertencesse. Daí ter de trabalhar para o dia seguinte. Com isso, fico tranquilo e lembro o meu avô Ribeiro de Almeida, ministro do Supremo Tribunal Federal por anos, que deixou para os quatro filhos só a casa hipotecada onde morávamos nas Laranjeiras."
A JUVENTUDE - "Drummond falava nos 'inocentes do Leblon', mas eu compreendo essa juventude que leva uma vida sadia, convocada pelos encantos do Rio."
O MUSEU DE NITERÓI - "Em geral, até os que vêm de fora querem conhecer o museu de Niterói. É um museu diferente, que convida os que lá chegam. Não cortou a paisagem, ao contrário, só a enriqueceu, suspenso, solto no panorama fantástico daquele lugar tão bem escolhido. Agora o prefeito Jorge Roberto Silveira pensa em criar um caminho, que começaria com a construção de uma nova estação de barco, seguindo por outras construções por mim projetadas até o museu. Entusiasmado, ele diz que seria o caminho Oscar Niemeyer, o que me agrada. Afinal, sou de Maricá e sempre tive adoração por Niterói. Dela, a vista para o Rio é surpreendente, com os recortes barrocos das suas montanhas. E lembro do plano de Le Corbusier para o Rio. Um imenso edifício que corria junto delas, com o teto servindo de estrada. Era uma fantasia, mas tinha poesia e o desenho era bonito.
Às vezes me perguntam se gosto mais do Rio ou de Brasília -duas cidades tão diferentes! Brasília é uma cidade administrativa, acolhedora e monumental, como Lúcio Costa a inventou. Mas foi no Rio que nasci e pelas suas praias andei toda a juventude. É no Rio que quero ficar. JK, que adorava Brasília, era como um príncipe da renascença: se tivesse mais tempo, os palácios de Brasília estariam cobertos de obras de arte."
ARQUITETOS E A BAUHAUS - "Isso, das artes, se perdeu no tempo, com a ajuda da Bauhaus e dos que queriam a arquitetura simplificada. Assim, obras de arte foram postas de lado, trocadas por materiais caríssimos, mais caros do que elas. Não falo de arquitetos vivos, mas dos que começam a ser esquecidos. Gosto do Le Corbusier, do Mies van der Rohe. Gropius era bom professor, nada mais."
A VIDA, RIR E CHORAR -
"Já falei muito de arquitetura, já disse que cada arquiteto deve seguir o seu próprio caminho e que a minha arquitetura é uma opção, muito minha, que sigo com a necessária unidade. O resto é a vida. Muito mais importante do que a arquitetura é esse rir e chorar, que o destino a todos obriga."

Texto Anterior: QUEM É QUEM NO DISCURSO DE NIEMEYER
Próximo Texto: Asiáticos são turbulência para a Boeing
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.