São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 1997
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Pelo estímulo à pequena produção

JOSÉ LUÍS DOS SANTOS RUFINO

Estabelecer uma política de fomento para a agricultura menos competitiva é a única forma de resolver, no longo prazo, o problema dos agricultores sem terra. Essa proposta certamente conflita com as soluções em discussão porque falta a elas uma visão prospectiva de um futuro mais distante. Falta enxergar além das alternativas de um tempo imediato, o que provoca discussões recheadas por aspectos emocionais e análises apressadas. Em consequência, as propostas resultantes são aquelas aparentemente óbvias: está sem terra? Vamos torná-la acessível.
Para gerar soluções mais duradouras, faz-se necessário analisar os principais condicionantes do problema. A pergunta importante é: de onde surgem e por que estão se multiplicando tão rapidamente os agricultores sem terra? Para responder é relevante analisar o que aconteceu com a agricultura brasileira ao longo das últimas três décadas e, principalmente, nos anos 80 e 90, período em que aumentou extraordinariamente o número dos trabalhadores rurais sem terra.
A partir da década de 60, alteraram-se profundamente na agricultura brasileira as relações econômicas, tecnológicas e de trabalho que vigoraram ao longo da história do setor. Como toda mudança, essa beneficiou alguns grupos e puniu outros. Os grandes perdedores da brusca modernização da agricultura brasileira foram os pequenos produtores rurais, aos quais foram infligidas pesadas penas por serem menos capitalizados, terem menor nível de instrução formal e acesso mínimo ao mercado, características que inviabilizaram, para eles, os benefícios potenciais dos novos meios de produção.
Em outros termos, a pequena agricultura perdeu competitividade dentro e fora do setor, por pautar seu processo produtivo nos fatores tradicionais e não se incluir na nova estrutura comercial. A expulsão dos pequenos produtores é a consequência inevitável desse processo, que se mostra mais severo nas regiões de topografia mais acidentada, onde predominam os minifúndios e a densidade populacional é maior.
Com base nesse diagnóstico, uma proposta de reforma agrária deve, no mínimo, contemplar duas preocupações. A primeira é procurar assentar (ou proporcionar novas oportunidades para) os trabalhadores sem terra. A segunda, e talvez a mais importante no longo prazo, é impedir que novas levas de agricultores com terra e com trabalho no meio rural sejam sucessivamente expulsos do campo por falta de competitividade de seus processos produtivos.
A imagem que se pode fazer é de uma barragem vazando. De nada adianta dar destino à água que vaza; se o vazamento não é contido, o fluxo torna-se permanente.De forma análoga, de nada adianta assentar 10 mil trabalhadores sem terra se, simultaneamente, outros 10 mil estão sendo expulsos de suas terras por absoluta falta de apoio para a transição de uma agricultura que tem sua base tecnológica sofrendo profundas mutações. Se não houver essa preocupação de amenizar o fluxo que transforma trabalhadores com terra em trabalhadores sem terra, ter-se-á sempre agricultores para assentar e conflitos sociais para resolver.
Um bem estruturado processo de fomento destinado aos pequenos produtores rurais torna a atividade agrícola dos trabalhadores rurais com terra muito mais sustentável e muito mais barata aos cofres públicos do que os assentamentos promovidos para tentar realocar os trabalhadores sem terra.
Dados do Ministério da Reforma Agrária mostram que cada família assentada custa, em média, cerca de R$ 40 mil. Com esse valor médio pode-se promover um amplo trabalho de fomento. Uma pequena estrutura para agroindústria familiar, com a finalidade de produzir doces de frutas ou derivados de leite artesanais de boa qualidade, fica em torno de apenas R$ 5.000 e incorpora muito valor aos produtos "in natura" oriundos da atividade agrícola.
A idéia de fomentar uma atividade econômica deixa coléricos os intransigentes defensores do liberalismo econômico e da não-intervenção do Estado. Convém lembrá-los de que redistribuir a renda de um processo de modernização custeado pelo povo brasileiro é função precípua do Estado, mormente quando toda a sociedade se beneficia dessa prática. Nesse caso, sem dúvidas, é melhor prevenir do que remediar. O fomento é uma medida preventiva contra problemas sociais futuros, que podem inclusive nos roubar preciosas vidas de trabalhadores rurais brasileiros, com ou sem terra.

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