São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 1997
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Corpo assume o Nordeste

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

"Esse forró é bom, viu." Desse jeito meio Guimarães Rosa comentava o vigia do Teatro Municipal sobre o ensaio a que assistia -numa espiadela-, na madrugada de ontem em São Paulo.
Ele falava de "Parabelo", o novo trabalho do grupo Corpo, a mais importante companhia brasileira, que tem sua estréia oficial hoje à noite na cidade.
Com música original de Tom Zé e José Miguel Wisnik, a obra "tem um cheiro e uma cor de Nordeste", nas palavras de seu coreógrafo, Rodrigo Pederneiras.
"Tem xaxado, tem baião, tem zabumba, tem sanfona", completa Pederneiras, empolgado. De fato, a coreografia é celebrada como "o mais brasileiro dos balés do Corpo".
Numa trajetória que dá sequência ao êxito do balé "Nazareth", sobre a obra do compositor, "Parabelo" trabalha ritmos e danças regionais de maneira contemporânea, moderna e sofisticada.
"Não se trata de pegar essas danças e usar seus estereótipos", explica Pederneiras. "O que eu queria era quebrar as formas e as linhas, deixar as pessoas mais soltas."
Foi Wisnik quem sugeriu o referencial nordestino, bem próprio do universo de Tom Zé (leia texto abaixo). De estrutura serial, bem seca, o primeiro dos temas do balé já desmonta qualquer formalismo. Os 18 bailarinos começam no chão, em malhas cor de sangue, movendo-se ao som da voz de Tom Zé, em movimentos inspirados nos exercícios físicos feitos pelo músico no estúdio, durante as gravações.
"São como caranguejos", diz Pederneiras. "Nesse sentido, é muito terra. Queria ir mais para o chão mesmo, já que 'Bach' é todo aéreo", diz o coreógrafo, referindo-se ao último sucesso do grupo, estreado no ano passado, que também está no programa.
Outros movimentos de "Parabelo" surgiram de brincadeiras e passos feitos espontaneamente pelos bailarinos durante os ensaios, incorporados por Pederneiras, em processo inédito.
"Ainda, queria mesmo que cada um deles tivesse uma forma de fazer sua movimentação; está até mais 'sujo' do que o habitual, nesse aspecto. Esse balé tem uma soltura e uma 'arejura' que os outros não têm", explica o coreógrafo, em bom mineirês.
"Parabelo" tem ginga e rebolado a toda prova, num vocabulário despojado e desconstruído -mas não menos intelectualizado. Além do forró que arrebatou o vigia, a debochada bossa nova, lá pelo meio do balé, é de deixar qualquer um de boca aberta.
Certamente é o que vai acontecer na França, para onde segue o Corpo depois da temporada brasileira (Rio, Brasília, Porto Alegre e Curitiba), com patrocínio da Shell e da Telemig.
O Corpo é companhia residente da Maison de la Danse de Lyon, onde já vende mais ingressos que a companhia de Béjart ou a Alvin Ailey. "O que fazemos é domínio nosso, não deles", festeja, com razão, Rodrigo Pederneiras.

Espetáculo: Parabelo
Onde: Teatro Municipal de São Paulo (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 011/222-8698)
Quando: hoje, amanhã e sábado, às 21h; domingo, às 17h
Quanto: de R$ 5 a R$ 30. À venda na bilheteria do teatro ou pelos sistemas televendas Statione (011/5589-8202) e Telearte (011/521-9675)

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