São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 1997
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Autor de "Ronda" diz que não existe boemia

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Autor de "Ronda" diz que não é boêmio
O compositor e zoólogo Paulo Vanzolini, autor de sucessos como "Volta por Cima", recebe hoje homenagem na USP, onde não canta, mas conta histórias e tem alguns sambas interpretados por outros músicos
Paulo Vanzolini, 73, é homenageado hoje à noite, na USP.
É uma chance e tanto para ver, no palco, um dos maiores compositores da MPB, autor do hino dos boêmios e diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.
Você já ouviu "de noite, eu rondo a cidade, a te procurar, sem encontrar..."?
E aquela: "Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima..."?
A primeira é "Ronda". A segunda, "Volta Por Cima", de 59, foi oferecida a Inezita Barroso, que, por sinal, não quis gravá-la; foi Noite Ilustrada quem a gravou, em 63, na véspera do Golpe de 64, o que deu ao samba uma outra trajetória, levando-o à condição de hino da resistência contra a ditadura militar.
Ambas as músicas são de Vanzolini, ou melhor, doutor Vanzolini -afinal, ele é doutor em zoologia pela Universidade de Harvard (Estados Unidos).
Hoje, Vanzolini não vai cantar. Vai contar histórias. Talvez fale dos programas de Araci de Almeida que produziu para a TV Record, nos primórdios da televisão brasileira.
Para acompanhá-lo no show-homenagem, estão confirmados Eduardo Gudin, Maria Martha e Adauto Santos.
A base do show fica por conta do Bando dos Macambiras, conjunto regional composto por bandolim, violão, cavaquinho, pandeiro e percussão, e que toca as músicas do doutor.
Para falar da vida de músico, zoólogo e negar que seja boêmio, Paulo Vanzolini concedeu esta entrevista por telefone.
*
Folha - Como o sr. consegue administrar a carreira de músico com a de zoólogo?
Paulo Vanzolini - Não tenho carreira de compositor. Música, para mim, é um hobby. Trabalho 15 horas por dia como zoólogo, adoro minha profissão. Não sei cantar, nem sei a diferença entre o tom maior e o menor.
Folha - Não está sendo modesto?
Vanzolini - Não. Pergunte a qualquer amigo meu. Faço umas músicas porque eles pedem. Não tenho nenhum jeito musical. Outro dia, ouvi o que fizeram com "Ronda" na França. Horroroso... Não tenho originalidade. Faço músicas por amizade.
Folha - Como será o show na quarta (hoje)?
Vanzolini - Quarta-feira (hoje) eu vou para o Mato Grosso.
Folha - Mas e seu show?
Vanzolini - Ah, é. Tem o show. Estou confundindo as datas. Não vou cantar nada. São meus amigos. Vai ser muito em família e muito pouco de show. Vou contar umas histórias.
Folha - Que histórias?
Vanzolini - Não sei. Histórias de como foram feitas as músicas.
Folha - Qual delas rende mais dinheiro de direitos autorais.
Vanzolini - É "Ronda", graças aos japoneses com dor-de-corno que cantam em karaokês.
Folha - Quais dos seus discos você mais gosta?
Vanzolini - Só tenho um que presta, "11 Sambas e Uma Capoeira", de Luis Carlos Paraná. Esse sim, um profissional. Os outros três discos são fracos. Sinto muita falta do Paraná.
Folha - O senhor chegou a ser ameaçado durante o regime militar?
Vanzolini - Nunca me pegaram, por causa da música. Diziam para eu tomar cuidado, que eu ia perder o emprego. Mas nunca militei em nenhuma organização. Ajudei muito brasileiro a fugir para o Paraguai, Bolívia e Chile.
Folha - O senhor ainda compõe?
Vanzolini - Tinha largado, mas resolvi voltar. Agora, tenho até uma empresária. No show, haverá duas músicas novas. Não. Acho que só uma. Chama-se "Quando Eu For, Eu Vou sem Pena". Mas não vou cantar. Canto pessimamente.
Folha - Como é a música?
Vanzolini - É surpresa. Se bem que ainda não ensaiamos a música. Nem sei como vai sair.
Folha - O senhor ainda frequenta a boemia?
Vanzolini - Nunca frequentei. O máximo que fazia era ir duas vezes por semana no Jogral (bar em São Paulo de Luis Carlos Paraná), e voltava pra casa. Quem trabalha não pode ser boêmio. Ser boêmio exige dedicação. É uma profissão. Pergunte se Adoniran Barbosa era boêmio.
Folha - Ele era?
Vanzolini - Era nada. Ele era um trabalhador. Isso é uma amolação dos repórteres. Eles falam de uma boemia em São Paulo que nunca existiu. Inventam. Você escutar música é boemia?
Folha - Mas e a sua fama de boêmio?
Vanzolini - Isso é bobagem, invenção de jornalistas, que são muito simpáticos, gentis, mas vivem falando essas besteiras. E quando reclamo, me chamam de ranheta. Não existe boemia.

O que: Homenagem a Paulo Vanzolini
Quando: hoje, às 20h30
Onde: Anfiteatro Camargo Guarnieri (rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária)
Quanto: entrada franca

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