São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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Filme põe chicote nas mãos dos mocinhos

DENISE BOBADILHA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LONDRES

Renegados eternamente aos papéis mais cruéis do cinema, sadomasoquistas e fetichistas em geral são os bons moços e protagonistas da produção britânica "Preaching to the Perverted", que contou com um elenco de cerca de 400 pessoas saídas da verdadeira cena fetichista londrina.
O filme estréia nas telas brasileiras em novembro. Antes, poderá ser visto como uma das atrações da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro.
A história é tão simples que chega a ser caricata: um deputado conservador quer extinguir o circuito SM (sadomasoquista) de Londres e para isso chama um rapaz religioso e virgem para investigar o que ocorre nos clubes barra-pesada da cidade.
A química entre o rapaz virgem e a dominadora Tanya (Guinevere Turner, de "Go Fish") rende algo mais que piercings e tapinhas no bumbum.
Mas, apesar do roteiro frágil, "Preaching..." trouxe à tona uma moda em roupas de borracha e piercings -que podem ser vistos na exposição de Grace Lau (veja texto nesta página)- e cravou entre os londrinos a expressão "vanilla sex" (sexo baunilha) para expressar os relacionamentos heterossexuais, digamos, normais.
Há duas semanas, entrou em cartaz no ICA (Institute of Contemporary Arts), em Londres, o filme "Fetishes", misto de documentário e mínima ficção de Nick Broomfield.
Nele, o foco são dominadoras, escravos e o circuito emborrachado de Nova York.
O sinal mais evidente do boom SM em Londres é um outdoor pra lá de explícito da marca de jeans Lee. Para anunciar calças com corte adaptado para o uso de botas, a propaganda utiliza uma foto de uma mulher com uma bota de salto alto e finíssimo pisando no traseiro nu de um homem. Sem rostos, só a mensagem "put the boot in". Interprete como quiser.
Sexo saudável
O diretor de "Preaching...", Stuart Urban, passou a frequentar clubes SM "como espectador", junto com sua esposa, depois da pesquisa para seu filme.
"Minha intenção foi fazer um filme que respeitasse esse mundo, sem torná-lo a encarnação do mal, como todos já fizeram", disse Urban em entrevista à Folha. Inglês de origem venezuelana, Urban dirigiu a série para TV "Our Friends in the North".
Se a participação do diretor no mundo SM foi como "voyeur", a da atriz norte-americana Guinevere Turner foi direta: ela trabalhou de verdade com uma dominadora de Nova York para aprender o ofício. Guinevere acaba de escrever (com Mary Harron) uma adaptação do cult "American Psycho", do escritor Brett Easton Ellis. E viverá a lendária Betty Page num filme que também está co-escrevendo com Harron.
Urban não nega que sua dose de envolvimento com o filme é muito pessoal. "Eu amo a cena SM -é provocativa, excitante, você pode fazer tudo o que quiser sem que ninguém se importe", conta. "E, por mais contraditório que pareça, é uma forma saudável de sexo, não envolve crianças ou animais."
"Se as pessoas querem se ferir, fazem isso conscientemente e com a concordância das pessoas que a cercam", opina.
A idéia de falar sobre fetiche e sexo violento surgiu para Urban depois de uma ameaça de processos em massa contra sadomasoquistas ingleses, há cerca de três anos, baseada legalmente em leis sobre agressões e mutilações.
"Esse período de perseguição aconteceu em várias partes do mundo, mas os conservadores sempre falharam em levar isso para frente", conta.
Na fase de pré-produção de seu filme, Urban teve dificuldade em fazer com que escravos e dominadores de verdade acreditassem no seu projeto. São pessoas desconfiadas, segundo ele, e submetidas a todo tipo de preconceito, fora o temor constante de um processo.
"Mas um foi contando para o outro e, em pouco tempo, mais de 400 pessoas estavam conosco no set", lembra. "Eles são atores natos, já que também vivem numa espécie de dramatização constante", explica.
O resultado agradou a todos no circuito, segundo ele. "Eu não estou rindo do mundo deles, e sim de toda a hipocrisia que vivemos." Urban acha que seu filme, mais do que um retrato do fetiche, é "sobre Londres e sobre hipocrisia". "Mas a hipocrisia não é tratada tão seriamente -e o uso forte de cores faz com que o filme pareça estar fora da realidade."
E por quê, então, a dominadora vivida por Guinevere só pode ser feliz ao concordar em ter seu "vanilla sex" regularmente? "Não acho que a realização dela está num relacionamento normal com um homem, mesmo porque eles vivem um triângulo com uma escrava lésbica. Definitivamente, não é uma família como as outras."

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