São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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A face política do desemprego

JOSÉ SARNEY

O fantasma da recessão passa a ser considerado. Matou-se o dragão, surgiu a assombração. A taxa negativa inflacionária não é um bem tão claro. Por trás dela estão a diminuição da demanda, a falta de dinheiro, a falta de trabalho. Deve ser baixa, mas negativa é um sinal vermelho.
O período de recessão que experimentamos em 84 era diferente: uma inflação alta e crescimento negativo. Tecnicamente chamavam de estagflação, uma mistura de estagnação e inflação. A taxa de desemprego era de 8% e a economia mergulhara na recessão.
A partir de 85, com todos os abalos verificados na economia, foi possível chegar a 1989 com um crescimento contínuo, a uma média de 5% ao ano, totalizando no período 25% do PIB, isto é, crescemos uma Argentina. A taxa de desemprego, em fevereiro de 1990, era de 2,36%, a mais baixa de toda a história brasileira. O país passou da oitava economia industrial do mundo para o sétimo lugar. A renda per capita, que vinha de uma queda de 13%, expandiu-se em 10,8%, o que significa que recuperamos a perda e acrescentamos a esse percentual, somados, um aumento real de 23,3% na renda. Esses números até hoje não se repetiram.
O grande dilema do país é transformar os ganhos da estabilidade da moeda em crescimento econômico. E fazer com que esse crescimento tenha melhor destino na grave situação nacional em que ostentamos o título desonroso de ser o país do mundo de maior concentração de renda, isto é, o fruto da riqueza nacional se acumula nas mãos de uma minoria altamente privilegiada. A recessão somente agrava esse quadro, cuja face mais cruel é o desemprego.
Com altas taxas de desemprego, a liberdade vai perdendo seu poder criativo. Instala-se a angústia entre os empregados, receosos de perder os seus postos de trabalho, e o desespero entre aqueles que não estão trabalhando, cujo salário é zero. Só foi possível a construção e os avanços da cidadania no período 85/89, com a força que adquiriu, graças à existência de uma economia de pleno emprego. As políticas recessivas têm um efeito perverso sobre os mais pobres e, sobretudo, efeitos políticos que seguram o aprofundamento democrático. O desemprego liquida toda a força de expansão do movimento trabalhista, é nulo o poder sindical e não há avanço nem transformação possível porque os trabalhadores são afastados das decisões, reservadas ao capital.
As 12 mil greves vividas em 85/89 foram possíveis porque a ausência de desemprego dava ao trabalhador condições de exercer até o exagero e absurdo o seu poder de reivindicação e de motor da história.
Esses aspectos políticos da recessão e do desemprego devem ser analisados porque é fácil verificar que a história não passa nem se contorce em períodos de estagnação e medo. Esses períodos não favorecem o surgimento de novas lideranças, nem o aprofundamento do processo democrático. A atividade política fica medíocre, o debate morre e as forças da sociedade se concentram na busca da sobrevivência, isto é, os bens materiais essenciais à vida.
O poeta Bandeira Tribuzzi chamava esses tempos, "que tempos de viver-se/ quando a fome é crime/ crime e canto/ e a liberdade vai perdendo/ a beleza que criara".

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