São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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BC vai terceirizar a gestão das reservas

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
EDITOR DO PAINEL S/A

O novo diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Demósthenes Madureira Pinho Neto, 37, quer terceirizar a gestão de parte das reservas internacionais do país (o caixa em moeda forte, que somava US$ 62,2 bilhões em agosto).
O objetivo, diz Pinho Neto -escolhido por Gustavo Franco para sucedê-lo no cargo de diretor-, é criar um "benchmarking" (técnica de programas de qualidade que cria um padrão a ser seguido). Segundo ele, as reservas são hoje administradas de forma sofisticada e prudente. "Estão aplicadas em papéis muito sólidos."
Vendendo títulos novos ou trocando antigos, Pinho Neto pretende também criar uma curva completa de juros no mercado internacional para papéis brasileiros.
Ele diz não temer um ataque especulativo, ter "horror à palavra máxi" e defende a política cambial, que já produziu, calcula, um ganho real para os exportadores de 5% em 12 meses. A seguir os principais trechos da entrevista.
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Folha - Quais são as prioridades de sua gestão?
Demósthenes Madureira Pinho Neto - Estamos estudando criar uma curva a termo de juros lá fora, via troca de títulos antigos ou novas emissões. O Brasil hoje tem títulos de cinco e de 30 anos. A nossa intenção não é captar, até porque não precisamos neste segundo semestre, mas apenas criar essa curva, que vai servir de referência.
Folha - Existe outra idéia prioritária em estudo?
Pinho Neto - Sim. Estamos estudando também a possibilidade de terceirizar a gestão de uma pequena parte das reservas internacionais (o caixa do país em moeda forte), que serviria como "benchmarking". Nós já sofisticamos bastante a gestão interna das reservas.
Folha - Quando rendem para o país as reservas internacionais?
Pinho Neto - Entre 6% e 6,5% ao ano. Mas isso não quer dizer muita coisa, apenas que elas estão aplicadas em papéis muito sólidos. Nós só aplicamos em títulos "triple A" (os "AAA", que são os títulos que representam o menor risco, como os do Tesouro dos EUA).
Folha - A política cambial do BC é fazer uma máxi a prestações?
Pinho Neto - A política do BC está absolutamente clara e dada. Desde março de 95, você tem uma política de bandas cambiais, com uma banda larga e intrabandas, que vão deslizando ao longo do tempo. É o que tem sido feito com resultado bastante interessante e é o que também vamos fazer. Eu tenho horror à palavra máxi.
Folha - Mas o câmbio está sendo corrigido acima da inflação no varejo e está mexendo com a relação câmbio/salários.
Pinho Neto - A melhor e a maior característica do regime de câmbio brasileiro é a flexibilidade. Se você pegar os últimos 12 meses, qualquer cálculo que você fizer de aumento da rentabilidade do exportador, levando em consideração a inflação doméstica e externa, o resultado é significativo. Se se levar em consideração ainda os ganhos de produtividade, a rentabilidade deve ter aumentando em torno de 4% a 5% em termos reais.
Folha - É exatamente por isso que se fala a prestações...
Pinho Neto - Mas o mais importante é a questão de previsibilidade. Esse é um dos principais atrativos que o Brasil tem. O país tem regras econômicas absolutamente críveis, e a política cambial é a principal delas, e regras políticas absolutamente críveis. Enfim, a política é essa, a gente vem gradualmente mexendo nas bandas e apostando, e isso é que é fundamental, e é o que tem acontecido nos últimos dois anos, que é a produtividade que aumenta a competitividade do exportador. É aumento de produtividade na indústria; é aumento de produtividade via redução do "custo Brasil". Temos muito ainda para absorver em termos de ganhos de produtividade com privatizações de telecomunicações, de energia elétrica e a mudança da logística de transporte.
Folha - Mas, para os analistas, a dilema central é: manter a atual política, de ganhos graduais, ou fazer uma máxi de uma vez?
Pinho Neto - Eu não acho que o problema do déficit de pagamentos brasileiro seja uma resultante da política cambial. Um déficit em conta corrente necessariamente reflete uma escassez de poupança sobre investimentos. Que é que você tem de fazer? Criar instrumentos de crescimento de poupança privada e pública -que, hoje no Brasil, na realidade, é despoupança pública. E isso é algo que tem relação com o "custo Brasil" e não necessariamente com câmbio. A verdade é que, antes de 94, o câmbio camuflava ineficiências e a indexação camuflava ineficiências, que resultaram em uma inflação crônica. E foi exatamente isso que mudou.
Folha - No curto prazo, o que preocupa o mercado é o cupom cambial (o juro pago sobre o câmbio), considerado muito baixo quando o investidor faz "hegde" (seguro) no mercado futuro.
Pinho Neto - A única coisa que posso falar sobre isso é que estamos monitorando o mercado diariamente, checando o que está sendo feito e analisando de que maneira podemos atuar para acalmar o mercado, quando necessário. Mas temos achado o mercado muito calmo.
Folha - Mas, na virada do mês, a eventual saída desses recursos por conta da rentabilidade não poderia gerar o clima e as condições para um ataque especulativo?
Pinho Neto - Eu não tenho medo desse ataque. O BC não pode atuar a reboque do mercado. Mas, se tivermos de atuar para acalmar o mercado, usaremos outros instrumentos que não...
Folha - o aumento de juros?
Pinho Neto -Isso. O cupom está adequado. A nossa maior preocupação, e por isso acho que o Banco Central deve falar pouco, é não provocar mais volatilidade no mercado, já volátil com a globalização. O mercado está inquieto desde a crise asiática, que, tenho a impressão, está chegando ao fim e deve nos beneficiar.
Folha - Por que?
Pinho Neto - No primeiro momento, as pessoas tendem a colocar todos no mesmo saco. Mas, agora, com o passar do tempo, com os analistas se debruçando sobre o problema, acredito que a crise asiática vai nos beneficiar. O que distingue o Brasil de todos os demais países emergentes é a democracia, é a estabilidade.
Folha - Quais são as maiores diferenças econômicas?
Pinho Neto - A semelhança é que temos déficit em conta corrente. Mas, nos países asiáticos, ele chegava a 7% do PIB ou 8% do PIB, o que já é o dobro da nosso. Sem qualquer exagero, as privatizações vão render US$ 80 bilhões nos próximos três anos, com o grosso acontecendo em 1998. Com os recursos da privatização e mais os investimentos diretos e os em "equity" (ações), financiamos de 70% a 75% do nosso déficit, o que é o recomendável. Além disso, há uma confusão a respeito da capacidade de o país se financiar. As importações já chegam financiadas; o grosso já vem financiado.

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