São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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Olhar mais além dos números

FERNANDO BEZERRA

É sabido, e esse saber tem a força de uma verdade inquestionável, que a imagem de um governo se faz passo a passo, com avanços e recuos, conquistas e frustrações. Por essa razão, a pesquisa que a Confederação Nacional da Indústria solicita a cada três meses ao Ibope/Cepac para medir as flutuações da opinião pública é sempre tema de expectativas e reflexões. Nesse sentido, a sondagem de agosto é particularmente fértil.
Nos números apurados estão acondicionadas três importantes novidades. Primeiro, os aspectos positivos do ano de 1997 começam a preponderar sobre o seu lado negativo, a julgar pela opinião de 64% dos entrevistados. Em relação à sondagem anterior, o índice de aprovação -bom ou muito bom- galgou dois preciosos pontos nos gráficos, com uma vantagem adicional: em todos os segmentos da população predomina uma visão otimista.
Como desdobramento, o nível de satisfação de vida, a despeito das conhecidas dificuldades que marcam o cotidiano nas cidades e no campo, manteve-se em um patamar dos mais elevados: exatos 76%.
O quadro completa-se com a diminuição, em três pontos, do índice do medo de desemprego, o que é surpreendente se levada em conta a penosa transição que marca o conjunto da economia.
Além disso, a pesquisa trouxe à luz dois outros dados animadores: a maioria absoluta dos entrevistados (53%) considera que a vida melhorou após o Plano Real e, entre as pessoas de nível universitário, tornou-se lugar-comum (71%) afirmar que a venda das estatais só irá contribuir para melhorar a qualidade dos serviços públicos.
À primeira vista, respostas como essas só fazem reafirmar o êxito da política governamental. Essa é uma avaliação verdadeira, porém incompleta. Na prática, o que a nova pesquisa detecta com precisão é que o presidente Fernando Henrique Cardoso soube tirar lições das adversidades e está começando a dar o seu primeiro grande passo no sentido de apresentar-se à sociedade como um reformador e, portanto, merecer a confiança de um segundo mandato.
De fato, poucas vezes o governo pareceu tão disposto a tomar a ofensiva. Com o mesmo ímpeto que dá a partida a um extenso programa de inauguração de obras, retoma programas de crédito para produtores rurais e incentiva o crescimento da atividade econômica. Combinando privatizações e concessões de serviços públicos, eleva as taxas de investimentos e amplia os horizontes de crescimento de longo prazo. Não por acaso, o país está vivendo uma fase de deflação com crescimento, enquanto a dívida pública está em queda e o PIB cresceu 5,12% nos últimos 12 meses.
Contudo, essa arrancada ainda é insuficiente para superar as grandes desigualdades brasileiras e corrigir as graves injustiças sociais. Há algumas semanas, o presidente da República afirmou estar empenhado em definições estratégicas para o futuro: "olhar mais além", na sua feliz definição.
Em outra palavras, estava admitindo que soara, afinal, o momento de dar sentido a uma linha de força, um fio condutor que nos encaminhe à plenitude das reformas macroestruturais, configurando um novo padrão de desenvolvimento e distribuição de riquezas.
Nada mais oportuno. Sobretudo num momento em que a iniciativa privada, mais do que nunca, revela-se capaz de dar respostas práticas a estímulos concretos, a exemplo do que acontece com as concessões do setor elétrico, onde no escasso espaço de um ano está se construindo o equivalente a uma Itaipu. Nem nos idos do chamado "milagre econômico" se fez tanto em tão pouco tempo no campo da infra-estrutura.
Devemos aprofundar essa ação renovadora em todas as frentes. Isso exigirá uma dedicação inexorável e constante à tarefa que o governo se propôs. O problema é que não podemos conviver com adiamentos de decisões como aquele que agora paira sobre a reforma tributária, ameaçada de só se concretizar no próximo século.
Contradições como essas geram discrepâncias e trazem à cena o fantasma do inconformismo. Como menos impostos significam menos Estado e maior dinamismo econômico, corre-se o risco de abrir flancos desnecessários e, numa etapa decisiva, desviar-nos do caminho certo.
Não é o que a população almeja. Olham-se os números da pesquisa agora divulgada e constata-se, de imediato, que o capital político do presidente da República é imenso. Mas está necessariamente identificado com as aspirações de mudança.
Transmitir sinceridade de propósitos e autoridade, com atos concretos, é a condição necessária para ampliar a credibilidade conquistada e torná-la um trunfo contra tentações imobilistas, que nada constroem. E, a esta altura, só contribuem para que não se olhe mais além e se adie, perigosamente, o futuro.

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