São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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O modelo de saúde privado

LUÍS NASSIF

A decisão da Câmara de impor novas condições aos planos de saúde é o típico movimento que permite ao deputado ganhar voto, e a seu eleitor não obter nenhuma vantagem.
Disciplinar o pagamento dos planos de saúde ao SUS é matéria pertinente. Garantir a manutenção dos direitos dos associados, após o período de carência, também. E só. Qualquer procedimento novo imposto será repassado ao preço do universo de usuários.
Significa que os planos e seguros-saúde fornecem serviços adequados a preços módicos? Nada disso. Significa apenas que a maneira de resolver a questão não é ao velho estilo luso-brasileiro, de votar uma lei que ninguém vai cumprir.
O que está em jogo é algo muito mais amplo: a discussão do modelo de saúde privado em vigor -tanto em nível de Brasil como de mundo.
A partir dos anos 60, alta tecnologia e poder da indústria farmacêutica criaram uma maneira torta de se cuidar da saúde. A medicina tornou-se especializada em tratar da doença, não da saúde.
A figura do clínico geral perdeu status, substituída por especialistas em novidades farmacêuticas e em leitura de exames, e por equipamentos glamourizados por assessorias de imprensa e pela televisão. A indústria farmacêutica passou a ditar a moda, e os propagandistas de laboratórios a prescrever receitas.
O encarecimento desse modelo do médico liberal, somado à crise da saúde pública, abriu espaço para a proliferação de planos e seguros-saúde. Criou-se a escala, mas o modelo não foi alterado. A base de remuneração dos serviços médicos -tanto na medicina privada quanto na pública- continuou a ser os "procedimentos". Ou seja, o médico ganhando por aquilo que possa exigir do paciente.
Os planos e seguros-saúde deveriam atuar como elementos moderadores de custos. Não conseguindo agir sobre a demanda -racionalizando procedimentos médicos- reduziram a remuneração por procedimento.
A reação dos médicos foi reduzir o tempo de consulta, substituindo o conhecimento pessoal do paciente por uma infinidade de pedidos de exames, muitos desnecessários.
Consequência: criou-se uma medicina privada impessoal, onerosa e pouco eficiente, que, apesar de investimentos bilionários em pesquisas e tecnologia, em nada logrou reduzir os índices de doenças.
Mudança de quadro
Esse quadro irá mudar rapidamente nos próximos anos, impulsionado por dois fatores.
O primeiro, a privatização do seguro de acidente de trabalho, que abrirá espaço para a entrada de grandes seguradoras, especializadas em tratar preventivamente a doença. O segundo, a abertura do mercado de saúde às grandes seguradoras internacionais.
Nesse novo quadro, mais competitivo, a tendência geral será os planos e seguros firmarem convênios com os hospitais baseados no conceito de "capitação" -o hospital recebe um determinado valor proporcional ao número de pessoas sob seu atendimento.
O hospital passará a ser parceiro do seguro e da saúde pública na disseminação do conceito de política de saúde, atuando preventivamente sobre as causas das doenças, e não apenas tratando das consequências. A cadeia de transmissão chegará aos médicos, que também passarão a ser remunerados pelo universo total de clientes a serem atendidos. Na outra ponta, finalmente, haverá a atuação atenta dos órgãos de defesa do consumidor, para evitar queda na qualidade do atendimento.
Novo médico
No momento, isto não ocorre, porque nenhuma parte sentou-se ainda para conversar. Os planos de saúde, por exemplo, têm enormes queixas dos hospitais de primeira linha. Cooperativas médicas que passaram a comprar remédios diretamente dos laboratórios estão praticando preços 44% inferiores aos cobrados por farmácias e hospitais -e ainda assim obtendo lucro.
Os hospitais, por sua vez, questionam a falta de visão das seguradoras. O Albert Einstein se dispôs a fazer um trabalho preventivo, identificando grupos com propensão a determinadas doenças e trabalhando na sua prevenção. Não conseguiu nenhuma seguradora que bancasse as despesas.
Esse novo desenho da saúde provocará mudança de 180 graus no perfil do profissional médico. Terão que ser definidas novas formas de remuneração, em substituição ao pagamento por procedimento.
Haverá a revalorização do clínico geral especializado em prevenção, o velho médico de família. Por outro lado, haverá a tendência à superespecialização médica -clínicas especializadas em determinados procedimentos cirúrgicos, aptas a realizar grande volume de intervenções a baixo custo.
Hospitais e empresas de saúde passarão a montar protocolos de procedimentos, catalogando e definindo exames necessários em cada caso. Mantém-se o livre arbítrio do médico, mas este será mais vigiado, por meio de controles estatísticos que eliminarão do sistema aqueles que não conseguirem justificar procedimentos fora dos protocolos acordados.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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