São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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FMI discute medidas contra corrupção

Acordo está sendo fechado com Argentina

CELSO PINTO
ENVIADO ESPECIAL A HONG KONG

O acordo que o FMI está discutindo com a Argentina deve ser o primeiro na América Latina a incluir como metas medidas para reduzir a corrupção, reformar o Judiciário, flexibilizar o mercado de trabalho e criar redes de proteção social.
O Fundo ainda não sabe bem como vai medir o cumprimento desses objetivos, disse um técnico do FMI à Folha.
Mas não há dúvida de que será um critério de desempenho: se não houver progresso, corta-se o desembolso previsto no programa.
É a entrada do FMI na "segunda geração de reformas".
Além dos objetivos tradicionais de estabilização e equilíbrio das contas externas, agora o Fundo quer assegurar a "governabilidade" ("governance"), incluindo reformas nas instituições dos países. "Reformas difíceis", como diz um técnico, "porque mexem com interesses de certos grupos".
Desconfiança
Como quase tudo que vem do Fundo, a iniciativa foi recebida com certa desconfiança pelos países em desenvolvimento, como ficou demonstrado na reunião, ontem, do Grupo dos 24 (o órgão que representa estes países no FMI).
O novo papel do FMI e do Banco Mundial na redução da corrupção e aumento da governabilidade não deve vir acompanhada de condicionalidades "baseadas em julgamentos subjetivos", disse o comunicado do G-24. Mas como ser objetivo?
Acordo
A Argentina será um bom teste. O acordo atual com o Fundo termina em janeiro e um novo acordo, por três anos, está na fase final de negociação.
Envolverá cerca de US$ 1 bilhão, dinheiro que a Argentina talvez dispense, e, como é praxe, o cumprimento das metas trimestrais.
As metas tradicionais já estão quase acertadas. O déficit fiscal federal, hoje de 1% do PIB, deve se transformar num superávit de até 1%, enquanto o déficit dos Estados (províncias), hoje de 2% do PIB, cairia para 0,5% no ano 2000.
Faltam acertar detalhes, mas as grandes linhas estão fechadas.
Cobrança de impostos
O acordo deve incluir, contudo, várias medidas não-tradicionais, que estão sendo discutidas com o governo argentino, disse um técnico do FMI envolvido na negociação.
Na área do Judiciário, dois pontos interessam de perto ao Fundo: novas regras que acelerarão a cobrança de impostos e mudanças que darão mais segurança aos contratos, especialmente na área imobiliária.
Todo o sistema jurídico argentino, inspirado no direito romano, é rígido e lento, a exemplo do brasileiro. A idéia é agilizá-lo.
Transparência
A corrupção na Argentina, como diz o técnico, "é muito visível, mas não muito grande". Existem idéias para dar mais transparência nas privatizações e licitações.
Deve ser criado um código de ética para os funcionários públicos e a exigência de prestação mais ampla de contas de organismos públicos, como a Previdência Social. Ministros e secretários do governo terão que declarar bens.
Trabalho
Outra área de grande interesse do Fundo é a reforma do mercado de trabalho.
Existe uma proposta tramitando para reduzir o custo da demissão e eliminar, em três anos, alguns direitos adquiridos.
O Fundo queria ver a negociação sindical descentralizada, mas este é um ponto que o governo desistiu depois de negociar com a CGT.
Bolsas de estudo
O acordo também deve atuar na área social. Por exemplo, com a criação de um programa especial de emprego para chefes de família e de bolsas de estudos para estudantes pobres.
Como diz o técnico, todos estes são programas que dependem da vontade do governo e do Congresso.
A forma como serão colocados no acordo está aberta a negociação.
Feito isso, contudo, transforma-se em meta de desempenho, ainda que não seja claro, por enquanto, como o FMI vai medir o progresso em certas áreas.
Certamente todos estes são temas que serão incorporados em acordos com outros países da região, como México e Venezuela.
Brasil
Mesmo para países que não têm acordo com o Fundo, como o Brasil, não há dúvida que são temas e idéias que os mercados estarão cada vez mais ansiosos em ver aplicadas. A "segunda geração de reformas" veio para ficar.

LEIA MAIS sobre a reunião do FMI nas págs. 2-5 e 2-6

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