São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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A herança indígena

WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem vive na metrópole paulista certamente já ouviu falar destes lugares: Pinheiros, São Miguel, Barueri, Embu, Itaquaquecetuba, Guarulhos, Itapecerica e Carapicuiba.
A associação com bairros e municípios da Grande São Paulo é imediata. Mas não é apenas isso que eles têm em comum. São todos resultados de aldeamentos indígenas. A origem, evolução, função e estrutura destes aldeamentos é o foco da obra "Aldeamentos Paulistas", editada pela Edusp, do geógrafo Pasquale Petrone.
O livro, inicialmente uma tese apresentada para o concurso de livre-docência no departamento de geografia da USP, em 1965, é, talvez, a maior obra do professor Pasquale Petrone. Ele está dividido em três partes: o "Planalto Paulista e sua Função no Povoamento", "Índios Cativos e Índios Administrados" e "Os Aldeamentos Indígenas de São Paulo".
Nas duas primeiras partes são apresentados aspectos da colonização de São Paulo, com destaque para a participação dos jesuítas. Na última parte, a mais longa, o professor Petrone, como é chamado, aponta como os aldeamentos organizaram a ocupação e o povoamento do território paulista, "desde os primeiros tempos do povoamento quinhentista, até os primeiros lustros do século 19".
O autor discute o modo de vida dos indígenas e as diferenças de tratamento que eles recebiam por parte dos jesuítas e dos colonos, registrando os conflitos entre estes segmentos. A partir disso, distingue dois grupos de aldeamentos, segundo a origem. No primeiro caso, apresenta os que abrigaram índios foragidos ou libertos, administrados pelos jesuítas, situação que ocorreu nos aldeamentos citados acima, à exceção de Pinheiros e São Miguel. Estes últimos caracterizam o segundo grupo, oriundo da escravidão indígena, administrados pelos colonos.
Os aldeamentos não constituíam uma unidade territorial, sobre a qual alguém exerceria a administração, tal qual uma prefeitura dos dias atuais. A administração acontecia diretamente sobre cada indígena, entendido como administrável pelo morador que "o sustenta, veste-o, dá-lhe condições para se tornar cristão ou para atender seus deveres de cristão, em troca recebendo seus serviços" (pág. 83). Esta relação estava regulamentada desde as Cartas Régias, do final do século 17.
O autor demonstra como ocorreu a incorporação do saber indígena por parte dos colonos e jesuítas: na localização das estradas e dos aldeamentos. No primeiro caso, as vias de penetração foram implementadas seguindo os caminhos dos índios. Já no segundo caso, a presença de água e a segurança foram os fatores centrais que determinaram a escolha do lugar dos aldeamentos, muitos deles, aliás, repetindo a posição de aldeias pré-cabralinas.
A preocupação com a segurança refletia-se nos sítios, em geral ocupando as partes mais altas de São Paulo. Nesse momento, contestando a versão de que os aldeamentos teriam sido construídos como um sistema de defesa de São Paulo, Petrone escreve que, apesar de "tomados isoladamente, alguns aldeamentos tenham se definidos em sítios defensivos (...) as próprias características da gênese de cada um deles excluem qualquer possibilidade de considerar sua distribuição como ordenada de dentro de um sistema" (pág. 140). Isso porque surgiram em momentos diferentes, ao longo de séculos.
A proximidade de rios representava a possibilidade de pesca. Entretanto os aldeamentos não deveriam ser próximos o suficiente para serem cobertos pelas cheias dos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros, conhecidas dos indígenas, que se alojavam em "trechos de terra firme, livres de cheias", enquanto para os europeus a determinação de uma posição livre das águas de verão era mais difícil.
A edição da Edusp é ilustrada com fotos e mapas que, somadas às reflexões precisas e ao estilo elegante do professor Petrone sobre a gênese da metrópole paulista, conferem à obra o caráter de um clássico da geografia produzida no Brasil. Porém, mais que isso, o livro apresenta elementos para se entender a relação entre os indígenas e o Ocidente, relação que continua na ordem do dia.

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