São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A viúva e o paulista

JOSÉ SERRA

O leitor sabe que o noticiário sobre déficit público e as formas de combatê-lo chega a ser enjoativo. Fala-se de enxugamento de pessoal, redução de gastos com inativos, cortes de desperdícios, menores despesas com juros etc. Nunca, porém, de um item pesadíssimo nos orçamentos: as sentenças judiciais ordenando indenizações a particulares.
A esse respeito tem-se a impressão de que os tribunais já têm, na gaveta, as sentenças condenando os governos a pagarem o maior valor possível (ou impossível), não importa a procedência da reclamação.
Isso explica que o governo de São Paulo tenha de incluir no orçamento de 1998 cerca de R$ 1,8 bilhão para pagar pretensos prejuízos sofridos por indivíduos no passado. Ou seja, 10,5% da arrecadação tributária do Estado! Tudo bem se fossem pensões alimentícias ou avaliações corretas de prejuízos de particulares contra o Estado. Mas não é assim.
Vejam, por exemplo que maluquice: o governo estadual foi condenado a pagar R$ 742 milhões ao dono de uma defunta empreiteira que alegou ter sido prejudicado pela suspensão de dois contratos entre 1970-1973. O governo contra-argumentou que a construtora abandonou a obra, uma reforma de 60 km de estrada no sul do Estado. Sabe o leitor quanto custaria essa obra hoje? Somente R$ 13,6 milhões, ou seja, 53 vezes menos do que a Justiça mandou pagar.
Em ação relativa a uma área da Serra do Mar (13 mil hectares), o Estado foi condenado a pagar R$ 1 bilhão! Além da flagrante superavaliação, o Estado não foi citado para embargar a execução, como manda a lei. Pior, o governo já havia indenizado outras pessoas que se apresentaram como donas da mesma área.
Finalmente, um exemplo que ilustra bem a "indústria" de precatórios. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o governo estadual a pagar R$ 34,5 milhões a um particular, dono de uma gleba na Juréia, em virtude da declaração da área como de preservação ambiental. Mas a avaliação foi feita por um perito judicial junto com o assistente técnico do autor da ação, fulano este que ganharia 50% de tudo o que seu cliente obtivesse. Assim, o valor da terra definido na sentença é 89 vezes superior ao valor de mercado na época da ação. Em dólares, a valorização indevida foi de 10.000%! Felizmente, o STF acaba de suspender o precatório, mas ainda não julgou seu mérito.
Como essas coisas acontecem? Hipóteses não excludentes: a) a corrupção em algum ponto do circuito das indenizações; b) a incompetência tradicional do Estado de acompanhar as ações e defender seus interesses; c) a adoção automática, pelo Judiciário, de correções de valores que incluem todos os chamados "vetores" dos finados planos econômicos. O furor indexador é tão grande que a Prefeitura de Campinas foi condenada a pagar indenização corrigida pelo vetor do Plano Verão para uma ação posterior ao lançamento do plano; d) a utilização da taxa referencial de juros como indexador. Isso não é culpa do Judiciário, mas dos economistas do governo Collor. E, imprudentemente, no começo do Real, a TR foi empurrada às nuvens, elevando espetacularmente o valor dos passivos públicos.
Enquanto isso, quem paga tudo? A viúva, evidentemente, junto com você, leitor paulista.

Texto Anterior: Que país é este?
Próximo Texto: O bom governo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.