São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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Franco atira no FMI

CELSO PINTO

Propor abertura total no fluxo de capitais no momento em que se discute a instabilidade provocada por movimentos especulativos, como na Ásia, é uma "absoluta inconsistência". É uma invenção da "burocracia internacional" (FMI), que, sem saber como se colocar no novo contexto de mercado, "para definir uma agenda, fala em liberalização".
O ataque, sem meias palavras nem qualificações, foi feito ontem pelo presidente do Banco Central, Gustavo Franco. O esforço do ministro da Fazenda, Pedro Malan, em minimizar as diferenças do Brasil com o Fundo virou pó.
Franco não vê nenhum mérito na idéia do FMI de emendar seu convênio constitutivo para colocar como um de seus objetivos a liberalização de capitais. O princípio, contudo, foi aprovado, domingo, pelo órgão deliberativo do Fundo, o Comitê Interino. Vai levar tempo, talvez alguns anos, até ser formalizado, mas o princípio já está absorvido.
Malan insistiu ontem que nem o Brasil nem outros países latino-americanos, como Chile e Colômbia, vão desistir de impor controles sobre capitais de curto prazo. A proposta do Fundo, na verdade, admite controles transitórios, desde que aprovados previamente por ele e mantido o objetivo da liberalização.
Franco, contudo, discorda do princípio. Os benefícios da liberalização comercial, argumenta, têm um amplo respaldo acadêmico, o que não acontece no caso da liberalização do fluxo de capitais.
Ao contrário, os países às vezes estão sujeitos a grandes entradas inesperadas de capital -quando, por exemplo, o preço de seu principal produto de exportação dispara. Se nada for feito, o país será inundado por dólares, e o câmbio vai se valorizar, prejudicando a balança comercial. Faz todo sentido, diz Franco, intervir.
Quando, no entanto, o Brasil impôs as primeiras formas de controle sobre capital externo, em 94, "o FMI foi contra". Depois do colapso do México, e da percepção de que a instabilidade de capitais de curto prazo foi parte do problema, "o Fundo mudou de opinião".
O que deveria estar na agenda do FMI, segundo Franco, é como lidar com essa instabilidade, discutindo, por exemplo, a regulação de centros financeiros "off- shore" e formas adequadas de supervisão. Defender a liberalização do fluxo de capitais não faz sentido.
Que fique claro: esse tipo de análise tromba de frente com o Fundo e os principais países desenvolvidos. Ao contrário do que disse Franco, a agenda não é apenas de um bando de burocratas internacionais. O secretário do Tesouro norte-americano, Robert Rubin, numa intervenção ontem numa mesa redonda sobre "Estabilidade e Supervisão em Mercados Emergentes", deixou claro que entende que a liberalização no movimento de capitais e a total abertura do mercado financeiro fortalecem e não ameaçam a estabilidade.
Como? A receita de Rubin, idêntica à do Fundo, é somar políticas macroeconômicas "saudáveis" com o fortalecimento do sistema financeiro.
Charles Dallara, diretor-executivo do Instituto de Finanças Internacional, o mais poderoso "lobby" dos bancos internacionais, vai mais longe. "Fico perplexo com quem tem a perspectiva de que a liberalização (do fluxo de capitais) foi a causa dos problemas na Ásia", disse. A liberalização, define, "é bem-vinda, necessária e inevitável".
O Brasil, é claro, tem todo o direito de ter uma agenda diferente da do Fundo e dos países desenvolvidos. Esse ficará sendo, contudo, um ponto de fricção, já que o tema veio para ficar e soma-se ao rolo compressor em favor da abertura do setor de serviços na Organização Mundial de Comércio.
Dinheiro sobrando
O recadastramento das contas bancárias feito pelo BC deixou um saldo de R$ 700 milhões em dinheiro não reclamado -o que é uma amostra do tamanho do "caixa 2" do país.
O BC já baixou uma circular impedindo os bancos de cobrarem tarifas sobre esse dinheiro, apropriando-se das sobras. A idéia, segundo Franco, é a União ficar com o dinheiro e usá-lo para criação de crédito em alguma área prioritária. Um importante político, contudo, conta com o dinheiro como reforço para a área social no orçamento da União para o próximo ano eleitoral.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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