São Paulo, sábado, 27 de setembro de 1997
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Show de rock para o papa divide igreja

Clérigos criticam comercialização

ANDREW GUMBEL
DO "THE INDEPENDENT", EM ROMA

Hoje à noite, em Bolonha, Bob Dylan vai liderar um grupo impressionante de roqueiros num show para o papa e uma platéia de 300 mil jovens católicos. Será a primeira vez que a Igreja Católica abraça um gênero que ela já chegou a repudiar, qualificando-o de música do demônio. Mas nem todos estão contentes com essa mais recente tentativa do papa de atrair os jovens à fé católica.
Que ninguém ouse dizer que Karol Wojtyla (nome de batismo de João Paulo 2º) não é um homem afeito às surpresas. Ele pode estar cansado e adoentado, mas hoje à noite -para a consternação de muitos integrantes do alto clero católico- estará lá, no centro de exposições agrícolas de Bolonha, gingando ao som de Bob Dylan, Gianni Morandi e um grupo de outros cantores convidados para ajudá-lo a animar o 23º Congresso Eucarístico Nacional da Itália.
Pela primeira vez na história da igreja, o papa está aderindo ao rock-and-roll. Talvez o esteja fazendo com 30 anos de atraso, mas não deixa de ser uma iniciativa ousada do líder católico.
Não que haja qualquer risco de ocorrerem surpresas desagradáveis. Os cantores foram escolhidos com base nos valores espirituais de seu trabalho, e suas apresentações serão entremeadas com comentários do papa sobre as músicas. Os artistas são em sua maioria celebridades italianas, como Morandi e Lucio Dalla, mas Bob Dylan terá meia hora só para ele.
O espetáculo deverá atrair 300 mil pessoas ao local e ser assistido por milhões na TV. Sem dúvida o papa espera repetir o sucesso de sua recente viagem a Paris, onde várias centenas de milhares de jovens frustraram as previsões da elite leiga francesa, comparecendo para lhe dar boas-vindas.
A iniciativa não conta com a aprovação geral do clero. Clérigos e escritores católicos vêm se queixando dos perigos da comercialização excessiva da igreja e, nas palavras do comentarista italiano Vittorio Messori, de se "transformar a liturgia numa discoteca".
As reações contrárias chegaram ao auge quando vários cantores católicos, furiosos por terem sido excluídos do show, criticaram o evento, qualificando-o de flerte perigoso com o pecado.
As manifestações levaram os organizadores do espetáculo a incluir no programa uma banda católica relativamente desconhecida chamada Manislegate. Mas essa decisão não chegou a acalmar a insatisfação efervescente.
Os críticos leigos apontam que o papa deveria prestar mais atenção à música eclesiástica se quisesse evitar as acusações de haver cedido às pressões da mídia. A música de igreja é virtualmente inexistente na Itália, em parte devido à escassez de bons órgãos.
Mas se o papa está relegando a um segundo plano as tradições musicais, o que dizer dos cantores? Vale lembrar que na segunda-feira Bob Dylan vai lançar seu primeiro álbum em oito anos. O que um herói "folk" judeu, de 56 anos, que descobriu o cristianismo há 20 anos, mas o repudiou pouco depois, está fazendo no meio de uma celebração de católicos italianos?

Tradução de Clara Allain

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